quarta-feira, junho 01, 2005

Um Passado Recente

Entrou em casa e reparou que estava completamente vazia. Tentou não pensar muito no assunto nem dar demasiada importância a este estranho facto, mas era difícil não tentar perceber o que tinha acontecido, não tentar pelo menos imaginar porque é que de um momento para o outro tinha desaparecido tudo à sua volta.

Sentou-se no chão e chorou durante muito tempo, tinha saudades de tudo, tinha saudades dos seus cd’s, dos livros que guardava com tanto cuidado, de todos os móveis que comprara ao longo dos anos, do quadro que desenhara e que estava por cima do sofá que também já não existia...

Era como se todo o seu passado tivesse desaparecido e com ele a memória de uma vida. Sentia que começava a esquecer-se de si próprio, sentia que lentamente deixava de saber quem era. Era como se todos os dias passados dentro daquela casa se estivessem a apagar aos poucos da sua memória.

Tinha uma ideia vaga de pessoas a conversarem, de serões animados com conversas em voz alta que agora pareciam simples sussurros. Sabia que também tinha amado dentro daquelas paredes mas já não sentia o cheiro dos corpos que via desfocados à sua frente, já não distinguia as formas umas das outras e juntava tudo numa enorme confusão que o angustiava cada vez mais.

Ainda conseguia lembrar-se de noites passadas sozinho frente à televisão ou a ler um livro, mas só conseguia sentir uma parte do que tinha vivido nesses momentos solitários, não conseguia lembrar-se das histórias que tinha visto ou lido, não conseguia lembrara-se de uma única cena, de uma única personagem, só pequenos fragmentos de sentimentos.

Levantou-se e limpou as lágrimas que não paravam de cair dos olhos. Sabia que a qualquer momento iria sair pela porta e que tudo se apagaria, sabia que iria esquecer-se do seu nome e de toda uma vida.

Olhou para os lados e tentou por uma última vez lembrar-se da casa cheia, reconstruir por um breve momento toda uma existência e todo um passado. Fechou os olhos e viu várias cenas que se apagavam quando olhava para cada uma delas, uma última visão de uma felicidade que não iria sentir nunca mais.

Saiu uma última vez pela porta e desceu a rua sem olhar para trás...

2 comentários:

M de M disse...

sim, tens razão...as coisas fazem demasiado sentido! É isso mesmo que eu temo e me assusta terrivelmente. Sobretudo para uma pessoa que sente demasiado e vê para além do aparente.

Ás vezes também me apetece fugir do mundo, anseio também eu pela tranquilidade que me pareçe estar escapar por entre as mãos...mas sabemos que amanhã é um novo dia, e que temos forças inimagináveis (somos é estupidamente instáveis) e é por isso mesmo que te digo, tem paciencia porque há uma solução para tudo. Tem atenção aos muros, mas não deixes de querer escrever!

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trigolimpofarinh@mparo disse...

Por vezes, talvez seja proveitoso apagar, nunca na totalidade, passados mesmo que recentes, para que, numa lei normal da vida, passemos aos futuros.

Tá fixe. Na mesma linha, na mesma abordagem que tenho feito a blog’s recentemente descobertos digo: deixa a porta aberta, de certo que vou passar por cá novamente.

Abraço