quarta-feira, abril 27, 2005

Na Sala

Espero por ti

Sozinho sentado na sala espero por ti sem ter a certeza que voltarás a este local. Lembro-me de um olhar rápido e das poucas linhas que o descreveram. Não tenho a certeza que tenha acontecido, mas espero pacientemente e escrevo, escrevo para passar o tempo e para tentar adivinhar o futuro.


Nós dois

Entras depressa e olhas para dentro da sala como se procurasses alguém. Fixas os teus olhos nos meus e não os desvias enquanto te sentas à minha frente. É quase insuportável manter o contacto, todo o meu corpo pede para que eu desvie o olhar, para que eu acabe com o sofrimento, para que eu me esconda por um segundo.

Mas pela primeira vez na vida resisto. Não desvio o olhar apesar da dor que sinto, apesar de toda a vergonha, apesar de toda a emoção. E tu sorris, tu percebes que temos algo em comum, algo que não precisa ser dito, uma empatia maior que o mundo e muito mais simples do que as pessoas. Sabes o que penso sem perguntar e eu sei quais são os teus sonhos e os teus medos, o que te faz sofrer e o que te faz rir.

E rimos, rimos os dois sem nunca termos trocado uma palavra, sem sabermos nada um sobre o outro, mas conhecendo-nos melhor do que ninguém.


Até um dia

Alguém chama o teu nome que eu não sabia. É uma parte da realidade que entra neste nosso mundo confuso, neste mundo onde não se sabe nada, mas onde se sente tudo.

Olhas para trás de forma doce mas desafiadora, sabes que nos vamos voltar a ver, sabes que vais voltar a olhar para a minha cara. E eu fico a olhar para ti a desaparecer por trás da porta castanha. A ansiedade vem até mim, mas não me vence, deixa apenas aquele frio que diz que não devo tentar compreender tanto as coisas, que o meu grito de liberdade não é como eu penso que vai ser...

Sorrio e escrevo sobre um encontro futuro, sobre olhares demorados...sobre ti.

quinta-feira, abril 21, 2005

Outra Noite

Abro a porta do carro e respiro o ar frio da noite. Por cima de mim vejo o céu estrelado e penso que talvez seja o céu mais bonito que alguma vez vi na vida. Lembro-me de quando era criança, lembro-me de estar deitado no chão a olhar para cima e dos sonhos que me enchiam a cabeça. Olho para ti e tento recordar o dia em que te conheci, mas não consigo, apenas sei que te conheço desde sempre, que fazes parte da minha vida toda e que quando olho para as estrelas penso em ti.

Deito-me em cima do carro e fico a olhar para o céu, vejo uma estrela cadente e peço um desejo, peço ajuda para estar contigo e vejo a estrela deixar um rasto luminoso até desaparecer no meio das árvores. Deitas-te a meu lado e perguntas em que estou a pensar. Não tenho resposta, tenho medo que o meu segredo seja descoberto e que o desejo não me seja concedido. Olhas também para as estrelas...

Estou nervoso e tento refugiar-me no passado, nas recordações de duas crianças pequenas a brincarem sem que o tempo passe. Naquele tempo o céu parecia maior e a maior parte das perguntas não tinha resposta, mas a angústia não estava presente, apenas a pergunta, apenas a dúvida que nos fazia sonhar. Olho para ti e penso no momento perfeito entre nós, um momento que me faz lembrar tantos outros passados contigo, o tronco no riacho, a árvore grande...

Agora que crescemos quase que não conseguimos sentir o que passámos, parece ter saído tudo de dentro de um livro, aventuras de duas crianças em tardes e noites sem fim. Quero poder recordar que estivemos sempre aqui, quero saber que também te lembras de nós...mesmo que tudo não tenha acontecido.

Dás-me a tua mão...e a noite fica maior...

terça-feira, abril 19, 2005

Na Tempestade

Vejo as nuvens formarem-se ao longe e sinto o medo à minha volta...
Abro os braços para a tempestade e penso em ti no meio do vento...
As nuvens chegam perto demais e quase me levantam...
Não sei quando voltarei a ver o sol, quando o vou sentir outra vez na cara...
No meio da tempestade penso mais uma vez em ti e sinto medo...
Entre as nuvens ganho coragem e luto enquanto olho para o passado...
À minha volta a chuva cai e eu não abro os olhos...

Sinto o chão nos meus pés...

domingo, abril 17, 2005

Ao Sol

Estou deitado em cima da erva verde e olho para o céu azul, nele voam nuvens brancas que me levam de volta à infância e me fazem sonhar.

Vejo uma avião antigo a sair da neblina e adormeço...

quinta-feira, abril 14, 2005

Depois da Sala de Espera

Espera

João entrou na sala de espera do consultório e ficou surpreendido por encontrar alguém lá dentro. Há três anos que todas as semanas esperava alguns minutos naquela sala pequena com paredes pintadas de amarelo e não era costume ter companhia. Sentou-se em frente da rapariga de cabelo curto e tentou imaginar o que a traria àquele sitio. Pensava sempre no que pensariam as pessoas umas das outras no consultório. Ele pensava se seriam todos doidos, mas lembrava-se normalmente que podiam pensar o mesmo em relação a ele. Achava divertidos estes pensamentos e tinha-os sempre nas raras vezes que se cruzava com alguém.

Olhou directamente para a rapariga outra vez e ela devolveu o olhar de forma muito directa. Como sempre ficou com um enorme frio no estômago e não aguentou mais do que um segundo a olhar para ela. Tinha sempre este comportamento, passava a vida a olhar para os outros à espera de poder fazer algum contacto e quando olhavam de volta, simplesmente não aguentava. Riu-se dele próprio e não sabendo bem como, falou de forma atrapalhada.
- Olá.
Ela respondeu timidamente.
- Olá.
- Eu sou o João. Nunca te tinha visto aqui.
De repente percebera o ridículo do que tinha acabado de dizer. Mas ela sorriu e respondeu.
- Esta é a minha segunda consulta.
- Eu já estou a fazer terapia há três anos, se tiveres alguma dúvida...
Mais um vez apercebeu-se do ridículo do que tinha dito e ficou muito vermelho enquanto tentava corrigir.
- Se calhar não era suposto estarmos a falar destas coisas.
- Não vejo qual é problema. Demorei muito tempo para decidir começar as consultas mas não tenho vergonha de vir aqui.
João ficou ainda mais vermelho.
- Eu também não...eu...eu já venho cá há três anos e...
Entraram na sala e chamaram a rapariga que se despediu com um sorriso.


Terapia

Estava furioso com ele próprio, não sabia como era possível ter feito uma figura daquelas. Entrou dentro da sala onde ia ter consulta ainda com o coração a bater e não teve coragem de dizer ao seu psicólogo o que tinha acontecido. Achou que ele ia criticar o facto de ter olhado para ela de forma tão directa. Já tinham várias vezes falado sobre a forma como olhava para as pessoas e não tinha vontade de admitir os mesmo erros, as mesmas falhas, os mesmo medos.

Foi uma sessão dolorosa, não se lembrava de nada para dizer e só lhe vinha à cabeça o que tinha acontecido na sala de espera. Tinha um ar interessante a rapariga com quem tinha falado. Mas isso não era novidade nenhuma, achava demasiadas pessoas interessantes e esse era um dos seus problemas, não conseguia ter calma e conseguir observar as pessoas, apaixonava-se muito depressa mas também perdia o interesse muito depressa. Esta instabilidade cansava-o.

Ao fim de uma hora estava exausto de tanto inventar assuntos para falar enquanto tentava pensar noutras coisas ao mesmo tempo. Sucedia-lhe isto muitas vezes, gostava de poder dizer que não queria continuar a sessão e ir embora, era demasiado penoso estar naquele lugar quando tinha a cabeça longe. Por outro lado havia alturas em que quase mandava calar o psicólogo, alturas em que uma hora parecia passar em minutos e o tempo voava. Nestas alturas sentia que aquele espaço era realmente útil e quase desejava poder passar mais tempo a conversar. Mas isto não acontecia sempre e as vezes em que não corria bem eram tão frequentes como as outras, o que o angustiava muito.


Caminhando

Quando saiu do prédio respirou com prazer o ar fresco de fim de tarde, tinha passado os últimos minutos com dificuldade em respirar e sabia-lhe bem estar na rua. Olhou para o lado e viu alguém sentado na entrada do prédio, era a rapariga. Ela olhou para ele e falou numa voz calma.
- Estava à tua espera, espero que não te importes.
Não sabia o que responder. Ficou um segundo calado e abriu a boca sem saber o que ia dizer.
- Eu...claro que não. Mas queres falar do quê?
- Não tenho nenhum assunto especifico, pensei só que podíamos caminhar um pouco e falar de banalidades.
João riu-se com aquela resposta.
- ok, vamos então falar de banalidades
E começaram a andar.

Durante uns segundos nenhum dos dois disse nada, mas não havia aquele ambiente próprio de quem não se conhece. Simplesmente estavam calados, mas tinha a certeza que no momento certo a conversa iria aparecer de forma natural. E assim aconteceu, mas não falaram de banalidades, conversaram sobre os seus sonhos, sobre o que gostavam que acontecesse nas suas vidas. Mas não de desejos materiais, falaram dos sonhos mais estranhos e pouco comuns que se podem ter e descobriram que eram parecidos na forma como sonhavam.

Enquanto andavam, não podia deixar de reparar como era estranha aquela empatia quase espontânea entre os dois, como se fossem dois amigos que se encontravam ao fim de muito tempo e conversassem como se o tempo não tivesse passado. Mas eles não se conheciam e não compreendia como podia estar assim perto de uma pessoa que conhecia há tão pouco tempo e sentir que lhe podia contar tudo. Não compreendia, mas sentia e continuava a andar.

Mas não conversaram sempre, não era preciso, sentia prazer só por estar junto dela e sabia que se fosse preciso já conseguia olhar directamente para os olhos dela. E também não pensava se estava a ficar atraído ou não por ela, não era muito importante, apenas queria gozar o momento e sentir-se bem sem ter de complicar as coisas. Sentia que o que se estava a passar era como se estivesse a passear e alguém tivesse começado a andar ao seu lado sem o conhecer de lado nenhum e na verdade não era muito diferente.


Adeus

Depois de terem andado durante muito tempo ela parou e disse que tinha de ir para casa. João olhou para ela e sorriu apenas, tinha acabado de passar uma das melhores tardes da sua vida com uma pessoa que não conhecia e não achava nada de estranho nisso. Naquele momento sentiu que podia largar a terapia e todas as drogas que sempre achou que iria tomar para o resto da vida. Claro que sabia que não era assim e que ainda tinha muito pela frente até se sentir equilibrado, mas sentia que tinha andado muito para a frente, como se tivessem passado anos e fosse outra pessoa.

Ela também sorria e ficaram os dois a olhar um para o outro até ela falar.
- Não vais dizer nada?
- Não tenho muito para dizer que tu não saibas. Para falar verdade acho que sabes tudo o que é realmente importante de mim.
Ela corou ligeiramente e acenou com a cabeça.
- E encontramo-nos para a semana?
Disse ela enquanto começava a descer as escadas do Metro.
- Claro.
- Então até para a semana.
- Deixa-me só fazer-te uma pergunta.
- Diz!
- O que é que achaste de mim na sala de espera do consultório.
- Sinceramente?
- Sim.
- Estava a pensar se serias doido. Tu também, não?
E riu-se de uma forma que ainda encheu mais a tarde de João.
Ele não respondeu e ficou apenas a observá-la enquanto descia as escadas.

terça-feira, abril 05, 2005

A Floresta

No meio da floresta agarro a tua mão e corro, fujo das sombras que nos perseguem. Sinto a força dos teus dedos no meus enquanto corres de olhos fechados e por um momento não sinto medo, mas continuo a correr pois não temos muito tempo.

Lembro-me de quando éramos novos e tudo era possível, lembro-me de quando sonhávamos com o futuro e com uma nova vida no meio das árvores que agora nos rodeiam. Hoje o sonho pode ser desfeito e por isso corremos mais depressa, corremos para que o futuro dos que nos rodeiam possa existir.

Deixo de sentir a tua mão na minha e procuro desesperadamente por ti. No meio dos troncos apenas vejo sombras e tento percebê-las, tento perceber se o fim está próximo, se iremos conseguir fugir do passado.

A escuridão cai sobre mim e apenas vejo silhuetas à minha volta, tento descobrir-te e imagino a tua angústia no meio do nada, imagino-te de mãos esticadas à procura de mim, chorando por mim.

Vejo o brilho dos teus olhos entre as árvores e as sombras em direcção a ti. Encho o peito de ar e em silêncio corro por cima da erva alta, passo sem ser visto pelas figuras negras e agarro a tua mão. Puxo-te para mim e abraço-te.

Ficamos escondidos em silêncio. A nossa respiração abafada é o único ruído que ouvimos e que tememos nos possa denunciar. Mas as sombras não nos descobrem e desaparecem por entre os ramos das árvores. Deitados no chão esperamos que o perigo passe durante tempo demais. Sabemos que o passado não pode voltar e que outros terão de percorrer o mesmo caminho.

Saio da sombra, fecho os olhos por causa da luz e tu sentes o ar fresco na cara. Sei que para mim não acabou tudo aqui, sei que ainda não estou livre e que um dia voltarei à floresta.

sábado, abril 02, 2005

Eu

Olho para o meu corpo e sinto-me prisioneiro de mim mesmo. No espelho vejo uma face branca que não é a que desejo e luto para não deixar de ser quem sou. Luto para o vermelho nos meus lábios não desaparecer, quero poder gritar ao mundo quem sou, quero dizer em voz alta que existe outra pessoa dentro de mim.

Lembro os tempos de criança e choro, lembro-me da roupa na minha mão e o reflexo sempre cruel que apenas me deixava sonhar. E caminhava pelo campo seco num dia de sol, caminhava com o suor a escorrer pelo meu corpo que crescia e me sufocava. Queria abraçar-me a mim mesmo, mas não tinha coragem, queria consolar-me, mas tinha medo.

Mas sabia que um dia iria crescer e teria de escolher, sabia que tinha de me enfrentar primeiro. E quando conseguisse vencer o homem em mim, poderia olhar para o mundo e dizer que não existo, poderia anunciar que o pequeno rapaz tinha conseguido voltar.

Volto a olhar para o espelho e sorrio. Só conseguimos ser felizes quando encontramos quem somos, quando compreendemos o brilho no nosso olhar e não o deixamos apagar-se. Só então somos livres.

Saio para a rua fria e penso em mim. Mais uma vez estou sozinho mas não me sinto perdido. Sei que descobri quem sou e tenho a companhia de todo o meu passado, sei que nem sempre vou sentir o conforto da noite, mas que neste momento o posso sentir enquanto o vento sopra com força.

Fecho o casaco por cima da pele nua e continuo a andar...