quinta-feira, setembro 22, 2005

Tic-Tac

Tenho os olhos fechados e vejo um grupo de crianças que fazem uma roda à volta de uma árvore. Um relógio marca o ritmo e respiro com dificuldade, é um som que me vai acompanhar para sempre, que me vai perseguir até ser grande.

Penso no que me terá levado de volta ao passado, aos sonhos mais antigos e mais escondidos de uma criança que ainda habita em mim. Foi o meu primeiro medo, o meu primeiro prazer...sempre que ouço os segundos a passar.

segunda-feira, setembro 19, 2005

O Principio e o Fim

De repente chego ao fim do mundo e encontro-me, sei que não vale a pena pensar no que fiz até hoje, sei que nada do que ficou para trás pode ser mudado. Então abro os braços e grito, chamo por mim na escuridão da noite e sonho, sonho em ser feliz...

sábado, setembro 17, 2005

Treze

Volto, volto porque na verdade nunca fui embora. E embalado pelo perfume que sinto mais próximo desço as escadas sem olhar para os degraus que piso, pedras alisadas pelo tempo e por todos que aqui passaram antes de mim.

Lembro-me do dia anterior e das lágrimas que correram pela minha cara enquanto guiava para longe de ti, enquanto me afastava do que me fez sofrer. Hoje o ar fresco ajuda-me a esquecer e continuo a olhar para a cidade que nunca se vai embora, para os prédios antigos que brilham ao fim do dia com os seus vasos de flores coloridas.


Dois

Carlos era um miúdo diferente e desde muito novo que tinha um olhar estranho, como se conseguisse ver mais do que os outros, como se aqueles enormes olhos verdes pudessem olhar para dentro de cada pessoa, vasculhar as nossas almas e saber quem somos.

Luísa tinha uma pele muito branca e umas mãos com dedos compridos que tocavam de forma gentil em tudo. Sentir aquelas mãos de criança desarmava qualquer um, como se nunca ninguém tivesse sentido nada igual, um conforto que invadia todo o corpo, um pequeno medo que se sentia e uma calma que perdurava durante horas.


Encontro

Carlos e Luísa encontraram-se por acaso, uma rua deserta de Lisboa, umas escadas velhas que subiam e desciam, dois olhares perdidos que se encontraram, um toque ligeiro de mãos enquanto passavam um pelo outro. Tinham apenas treze anos e aquele momento duraria para sempre.


Carlos

Carlos olhava para aquela rapariga parada à sua frente que parecia esperar por algo, não sabia bem porque parara, mas ali estava naquele final de tarde a olhar para alguém que não conhecia, mas que compreendia, a olhar para as mãos que tocara ao de leve e que ainda sentia na sua pele, como se tivesse ficado marcado e ficasse para sempre preso àquele lugar.


Luísa

Luísa não conseguia afastar o seu olhar daquele rapaz que olhava as suas mãos, sentia-se presa, sentia-se enfeitiçada, sentia-se aconchegada. E imaginava-se para sempre envolta naquele abraço invisível que não sabia explicar, mas que sabia bem e que fazia doer.


A Eternidade

Durante longos minutos ficaram como estátuas à frente um do outro sem que uma única palavra fosse dita, sem que um som pequeno que fosse saísse das suas bocas que no entanto sorriam levemente. Apenas gozavam o momento, o tempo não passava e a despreocupação própria da idade misturava-se com a brisa que lhes fazia voar os cabelos.

Sentaram-se num degrau e continuaram calados a ver o sol que se punha por trás de um prédio pintado de branco e amarelo. As sombras estendiam-se no chão e quase lhes tocavam os pés enquanto fugiam, subiam os degraus e sentavam-se mais acima, como se não quisessem perder aquele pôr-do-sol, como se cada degrau em que se sentavam os ajudasse a prolongar aquela tarde.

Por momentos imaginaram uma escadaria infinita de onde pudessem ver o fim do dia para sempre, um mundo onde pudessem fugir da noite e nunca aparecessem as estrelas, um mundo onde a hora fosse sempre a mesma e nada mudasse, apenas uma visão perfeita na companhia de alguém que nos conhecia desde sempre.


Reencontro

Continuo a descer as escadas atrás de algo que não sei se ainda existe. Lembro-me mais uma vez da discussão que me fez sair de casa sem rumo, da noite passada a guiar debaixo de uma chuva que teimou em não me dar descanso, da manhã perdido no meio de ruas desconhecidas. Até regressar a este local que sempre me acompanhou, até voltar a descer as escadas que mudaram a minha vida, até voltar a sonhar contigo.

Pergunto-me se vinte anos depois seremos assim tão diferentes, pergunto-me onde estarão os dois miúdos que sentados nestes degraus viram a vida de uma maneira diferente e que sonharam juntos. Não quero ter de enfrentar esta vida que me abafa, quero voltar àquela tarde em que tudo fazia sentido.

E de repente a minha mão toca noutra, como é que pude não reparar em ti? Como é que mais uma vez te escondes neste sitio onde tudo é estranho? Abro bem os olhos e tento ver a rapariga que encontrei aqui pela primeira vez, um encontro tantas vezes repetido na minha cabeça, nos meus sonhos. Não é difícil, tu continuas a mesma, as mesmas mãos brancas e compridas, o mesmo toque mágico que me faz tremer.

E pela segunda vez na vida assistimos ao pôr-do-sol nestas escadas velhas que nos conhecem, neste sitio que vai ser sempre nosso e onde podemos sorrir sem ter de falar, onde nunca teremos idade e onde vou sempre amar-te...

quarta-feira, setembro 07, 2005

Folhas Estranhas

Ouço o barulho debaixo dos meus pés e sei que estou em casa, sei que voltei ao sitio que nunca esqueci e que trouxe sempre comigo. As minhas mãos sentem o desconforto de tocar no que me faz voltar atrás, no que me aconchega e me faz sonhar. Queria que o resto fosse tão simples, como uma recordação que escrevo enquanto a ouço numa canção.

domingo, setembro 04, 2005

Fuga

Corro pelo campo aberto sem olhar para trás com medo de descobrir se ainda estou a ser perseguido. Estou cansado mas continuo e imagens das últimas horas são recordadas na minha cabeça de forma aleatória, pequenos fragmentos que se misturam sem sentido, pois nada explica o que aconteceu.

Passo pelo meio das ervas secas e penso como seria bom poder passear neste local com tempo para apreciar cada pormenor, mas a minha vida está em perigo e corro o mais que posso, passo por árvores e pedras que parecem olhar para mim, que parecem poder sentir o meu medo.

De repente ouço o barulho de água a cair, mas não consigo perceber de onde vem. Tudo à minha volta é seco e velho e não esperava encontrar água nesta terra que um dia será um deserto. Mas o barulho continua a chegar aos meus ouvidos e penso se o cansaço terá alterado a minha percepção do mundo, penso se estarei a enlouquecer, se estarei perto do fim.

Distraído quase caio no abismo que se abre à minha frente, o que pensava ser o cimo de uma pequena elevação no terreno é na verdade o fim do caminho que percorro. Cheguei a um ponto em que não posso prosseguir nem voltar para trás, à minha frente abre-se um enorme vale que vejo desaparecer no horizonte, mas não encontro forma de descer para poder continuar a minha fuga.

Continuo a ouvir o barulho de água e penso de onde virá, sei que não tenho muito tempo e que devia procurar um caminho para descer, mas algo em mim diz-me que tenho de encontrar a origem do que me confunde, água nesta terra sem vida, nesta terra amaldiçoada onde tenho medo de morrer.

Continuo a correr mas já não tenho por onde escapar e procuro apenas algo que não devia existir. Durante algum tempo não vejo nada até que descubro o que não pensava ser possível, um enorme rio correu sempre a meu lado pelo meio da terra sem vida e cai numa enorme cascata sobre o vale.

Olho para baixo e sei que a altura é demasiado grande para alguém sobreviver, mas não posso voltar, seria apanhado rapidamente, seria julgado pelos crimes que não cometi, seria condenado apenas por ter estado onde ninguém podia estar, por ter olhado os segredos escondidos durante tantos séculos.

Mergulho, deixo cair-me ao lado da água que vejo embater com violência lá em baixo e não penso em nada. Fecho os olhos e sinto o ar na cara, sinto o corpo a rodopiar e por momentos é como se voasse, como se antes de bater na água fria que me espera pudesse subir em direcção ao céu e fugir do destino que aguarda pacientemente.

Sinto o choque em todos os pontos do meu corpo e o ar que enche os meus pulmões é expelido com violência. Quero nadar, mas não tenho forças, quero viver mas os meus braços e pernas dizem-me que não são capazes, não quero que este seja o fim mas sinto-me calmo, pelo menos não me apanharam, um triste consolo perto do fim. A escuridão começa a rodear-me e penso em coisas simples, penso na minha infância e nas tardes debaixo dos pinheiros, penso nas noites e no céu que me fazia sonhar.


Vida

Acordo. Não sei onde estou mas sei que estou vivo. Lembro-me vagamente de algo tocar a minha mão antes de perder os sentidos, antes de tudo ter ficado escuro. Foi um toque suave mas que me puxou para cima, que me trouxe de volta à vida.

Estou dentro do que parece ser uma pequena cabana de madeira e ouço o som de risos lá fora, embora saiba que não é possível tenho a certeza que são risos de crianças. O cheiro de comida entra pela porta aberta que deixa entrar o sol, que me deixa ver o verde das árvores. Estou noutro mundo, acho que voltei a nascer.

Deito a cabeça, respiro fundo e adormeço, sei que vou sonhar...