sexta-feira, julho 09, 2004

O Destino de Kal-El

"...acho que podemos fazer o que queremos das nossas vidas..." (Hobbes)

Tristeza

Clark voava ao mesmo tempo que pensava na vida e não compreendia porque é que não era como as outras pessoas, porque é que tinha de ser ele...

Todos invejavam a sua sorte, todos sonhavam vestir o seu fato azul e vermelho e sentir as nuvens nas mãos. Mas para ele era um fardo mais pesado do que podia suportar, a alegria dos primeiros anos tinha desaparecido e sentia-se só, sentia uma tristeza que crescia dentro dele, sentia-se aprisionado dentro de si próprio, escravo dos poderes que todos admiravam. O seu corpo era invulnerável mas a sua alma era a mais frágil de todo o universo. Sabia que não iria aguentar muito mais.


Passado

Viu ao longe o que vinha à procura e desceu lentamente, tocou no solo e observou a árvore velha que diziam ter estado sempre ali, a árvore que tinha sido sua companheira durante toda a infância e que era a sua mais velha e querida amiga. Ajoelhou-se e procurou o esconderijo por entre a erva alta, um pequeno buraco onde cabia apenas uma mão de um adulto ou duas de uma criança. Não demorou em sentir o metal da caixa ferrugenta e trouxe-a para o sol. Todos os seus segredos estavam naquela caixa pequena e velha, tudo o que era realmente importante para ele estava ali dentro e mal conseguiu conter as lágrimas quando levantou a tampa gasta pelo tempo e observou os seus pequenos tesouros.


Voar

No fundo da caixa estavam umas folhas muito amarelas escritas com uma tinta preta que teimava em não desaparecer e sorriu quando começou a ler.

"...hoje voei como nunca tinha voado, atirei-me de cima do monte mais alto que encontrei e deixei-me cair até estar muito perto do chão, então subi e senti o estômago às voltas como quando damos o primeiro beijo, rodopiei e senti o vento fresco na minha cara, voei por entre as árvores e corri atrás dos animais que se escondiam na floresta.

Fui em direcção ao mar e toquei com as mãos na água gelada enquanto aumentava a velocidade e deixava um rasto de espuma branca atrás de mim. Voei o mais depressa que consegui e fiz com que a água se levantasse dos dois lados criando um efeito incrível. Senti-me a pessoa mais feliz de todo o mundo e achei que não podia haver um momento mais perfeito do que aquele.

Voltei para cima da terra e passei por cima de um campo cheio de flores que não conseguia ver, mas que conseguia cheirar. A noite tinha caído e escondia os desenhos que eu fazia no céu, um céu cheio de estrelas que eu quase conseguia tocar. Senti a pulsação acelerada e o meu peito quase que rebentava, achei que não ia conseguir aguentar, mas não pude evitar e subi outra vez muito depressa até estar o mais longe da terra que alguma vez tinha estado.

Então desci lentamente e toquei a erva suavemente enquanto a lua aparecia no horizonte indicando-me o caminho para casa. Eu olhei para o céu, senti uma última vez o cheiro do chão e das flores e parti calmamente..."


Tinha escrito aquelas linhas com treze anos e sabia que tinha sido o dia mais feliz da sua vida. Tinha sonhado com algo que só era possível na sua cabeça, mas tinha sentido o mesmo prazer que teria sentido se tudo tivesse mesmo acontecido. Naquela altura não sabia que, ao escrever aquelas linhas, estava a escrever o seu destino, estava a inventar o seu futuro, estava a condenar-se a si próprio.

Guardou tudo outra vez na caixa e voltou a guardá-la debaixo da árvore. Ficou algum tempo a pensar e olhou mais uma vez para a árvore antes de partir, sabia que nunca mais voltaria aquele lugar.


Futuro

Desde o dia na árvore que não vestira mais o fato azul e vermelho e não voara mais entre as nuvens. Já não sentia o fardo sobre as suas costas e era só mais uma pessoa como as outras, uma pessoa que no entanto sentia que ainda não era feliz. Então um dia comprou um bloco como os que usava quando era mais novo e com a sua caneta preferida começou a escrever sobre a vida de um homem, um homem que sonhava...

"Era uma vez um homem que tinha uma vida muito simples mas que era feliz porque sonhava e acreditava que um dia os seus sonhos podiam tornar-se realidade..."