segunda-feira, junho 27, 2005

Dois (outro adeus)

Os teus olhos reflectem a luz da lua cheia que sobe por cima das nossas cabeças, eu toco na tua cara e penso em nós, penso que passaram dez anos desde o nosso último encontro e que estamos diferentes, estamos mais velhos, mais cansados. Penso se ainda sabemos como sonhar, agora que o passar do tempo mudou as nossas feições e os nossos corpos. A tua mão na minha não parece a mesma, mas ainda consigo sentir o teu calor.

Tenho saudades do tempo em que a vida não era tão complicada, tenho saudades dos problemas que pareciam tão grandes, tenho saudades de ti. Sei que fomos nós que começamos a complicar tudo, sei que fomos nós que mudámos...

Recordo aquela tarde de verão e penso se podíamos ter feito as coisas de outra maneira, se era possível fugir da vida, se podíamos ter sido felizes. Hoje sinto-me mais velho e pergunto-me o que sentirás a olhar para mim. Pergunto se ainda vês o rapaz alegre que conheceste, se ainda me consegues sentir.

A lua continua a brilhar e lembra-nos que está igual, um desafio lançado do céu que nos faz baixar as cabeças com vergonha de nós próprios. Porque é que não podemos voltar atrás? Tudo é diferente. Já não sei se podemos voltar a sentir o que sentimos tantas vezes quando estávamos juntos, quando nos percebíamos.


Passado

O Sol brilha por cima de nós e o teu cabelo reflecte a luz. Sei que este momento vai acabar e que vamos ter de escolher, vamos ter de decidir como vai ser a nossa vida. Gostava de poder saber onde vou estar daqui a dez anos e olho para o verde dos teus olhos à procura de uma resposta.

Penso se termos de pensar tanto não é já uma resposta que nos faz sofrer, se não sabemos já o que vai acontecer e estamos só a adiar uma adeus que nenhum dos dois quer dizer. Aperto a minha boca contra a tua e sinto o coração a bater com força, o que estou a sentir não pode ser uma engano. Quero dizer que te amo, mas não consigo dizer uma única palavra.

Se fomos feitos um para o outro porque é que não podemos ficar juntos? Que mundo é este em que duas pessoas que se amam com todas as suas forças se separam sem uma única palavra? Quero ouvir-te dizer que me amas mas a tua boca está fechada junto à minha...


Hoje

Uma nuvem passa e de repente tudo fica negro, a noite é parecida com os sentimentos que se apoderam de nós, como o medo que o amor tenha ficado esquecido numa tarde longínqua. Quero beijar-te uma única vez mas não consigo ter coragem para tocar com os meus lábios nos teus, não tenho coragem mais uma vez e os meus olhos não choram apenas por vergonha, não choram porque têm medo de mostrar o que sentem, tem medo de dizer que te amo. E como eu te amo, como eu sofro por estas palavras que enchem a minha cabeça não terem saído da minha boca. E fico calado...

Estranhamente tu pareces calma, sinto o teu coração a bater apressadamente, consigo ouvi-lo como se fosse uma música que me diz o que eu quero tanto ouvir. Mas não dizes nada, ficas a olhar calmamente para a lua que brilha outra vez e não mostras que estás nervosa. Será que sabes o que eu não quero aceitar? Que só podemos viver num passado distante, que todo o nosso amor vai sempre fazer sentido, que não iremos ficar juntos para sempre.


Passado

Vejo-te a olhar para trás e ainda sinto o teu calor na minha mão, ainda sinto o teu cheiro no meu corpo e tento não esquecer este momento. Desenho na minha cabeça tu a olhares para mim parada no meio da rua, um sorriso suave que me diz que me amas, um adeus que eu não quero.

Caminho sozinho ao entardecer e imagino como será minha vida sem ti...

Uma estrela

Estou em cima de um telhado velho deitado a olhar para o céu. Não tenho idade e sinto que posso ficar aqui para sempre. Penso nos desenhos que se vão formando na minha cabeça e sei que é mais fácil imaginar formas nas nuvens brancas do que no meio da noite escura. A noite só brilha para quem levanta os olhos e vê, a noite só faz companhia a quem presta atenção, a quem rouba tempo às estrelas.

Abro os braços para abraçar o mundo e sinto as mãos a tremer ligeiramente com a emoção que sinto por estar ligado a todos os pequenos pontos que estão por cima de mim. Não acredito nas estrelas mas elas olham para mim todos os dias, elas olham por mim com a paciência de uma mãe que abraça os filhos pequenos até eles se esquecerem que existiram uma vez.

Quero poder olhar outra vez, quero poder ver, quero poder sentir. Quero deixar de ter os olhos fechados debaixo do céu que sempre me acompanhou e que vai sempre estar ali. E um dia outros irão olhar para cima e sentir outra vez a emoção que sinto hoje, o vento na cara, a camisola quente, o conforto de estar sozinho debaixo do vazio...

quinta-feira, junho 16, 2005

A Casa

Enquanto o táxi segue em alta velocidade pela estrada olho a noite e as árvores no escuro. Tudo parece negro à minha volta e apenas a sensação de que já aqui estive me traz algum consolo. No meio da melancolia indico um destino diferente do que desejava e dou por mim perto da nossa infância. Os locais são os mesmos mas estão completamente modificados pelo tempo e a minha angústia aumenta. Será que vou reconhecer as casas? Será que vou reconhecer os caminhos que percorria em criança? Será que te vou reconhecer?

O táxi continua mais devagar e não digo ao condutor que não sei se quero estar ali, não digo que podemos estar perdidos e continuo a olhar para dentro de todas as casas. Lembro-me das mais antigas e das tardes passadas entre companheiros de aventuras. Mas tudo está diferente, todos os recantos envelheceram e eu sinto que a ligação com o meu passado está ameaçada.

Por fim vejo a casa onde entrei tantas vezes, a casa onde brincávamos inocentemente e todas as recordações voltam para encher a minha cabeça. Vejo luz e olho para dentro à procura de alguma cara conhecida, sinto um conforto enorme ao ver os mesmos móveis, os mesmos objectos, ao ver que alguma coisa ainda está igual. Peço para irmos mais devagar e tento desesperadamente reconhecer tudo, tento guardar o passado dentro de mim.

De repente vejo alguém, uma figura conhecida sentada a ler. Mal consigo ver o teu rosto, mas sei que és tu pois estás exactamente como sonhei. Volto ao passado e já não estou no táxi, estou sentado contigo à porta de tua casa e a noite é infinita. Temos dez anos e falamos sobre o futuro, sobre o queremos ser quando formos crescidos, sobre nós dois.

Sou trazido de volta ao presente por uma voz que pergunta algo, tenho vontade de sair do carro e bater à tua porta, de reconhecer a tua cara e a tua voz, de voltar a olhar para o céu de mão dada contigo. Num impulso pago o táxi e fico sozinho na noite a olhar para uma janela, não sei o que vou encontrar, não sei se me vais reconhecer, mas avanço determinado em direcção ao meu destino.

quinta-feira, junho 09, 2005

Cinco Minutos de Adeus

Ponho a música a tocar e sei o tempo que tenho para estar contigo uma última vez. Olho para os teus olhos e vejo o filme do nosso passado, perguntas-me o que podemos fazer e sei que apenas nos podemos despedir e tentar recordar este momento o resto das nossas vidas.

Estamos sentados no carro e a noite está chuvosa, o chão reflecte a luz de um semáforo perto de nós e a tua cara muda de cor. Sei que nada importa mais e que tudo ficou mais simples de repente, sei que não são precisas explicações e que podemos uma vez na vida olhar um para o outro sem ter de pensar nas palavras que devemos dizer.

E não falamos, deixas apenas as tuas mãos sobre as minhas e deixas o tempo correr enquanto uma única lágrima escorre pela tua cara. Eu aproximo-me de ti e com medo que o tempo se esgote encosto os meus lábios aos teus ao mesmo tempo que a chuva começa a cair com mais força.

Apesar de esperar por este beijo há muito tempo, não esperava que fosse tão forte, que me fizesse ter dúvidas sobre o que decidi, que acontecesse no meio de um adeus. Desisto e tento apenas sentir o prazer de estar junto a ti durante os segundos que faltam, tento ficar com uma parte de ti.

A porta fecha-se e sei que sentes o mesmo que eu, que o mundo não faz sentido, que era tão fácil fazer as coisas de outra maneira. Quero que te voltes para trás mas não olho com medo de correr atrás de ti, com medo de não conseguir dizer adeus...

terça-feira, junho 07, 2005

Seis anos

Sentei-me ao computador sem ter nada para dizer, sem ter nada para escrever que me ajudasse a desabafar o que me ia na cabeça. Queria poder pôr por escrito os meus pensamentos, mas era tudo tão confuso que continuava a olhar para uma página branca à minha frente.

Sem outra solução voltei à infância onde tudo começou. Lembrei-me de um rapaz de seis anos e dos medos que o assustavam, lembrei-me de todos os sonhos que já naquela altura lhe enchiam a cabeça e da despreocupação própria de uma criança.

De olhos verdes no horizonte, brincava ao fim da tarde sem pensar demasiado no futuro, sem saber o que ia acontecer quando crescesse e quando os medos deixassem de ser apenas pesadelos que apareciam a meio da noite. Quando o medo viesse a qualquer altura e trouxesse nuvens negras aos meus dias.

Mas olhar para o passado é bom, lembramo-nos de formas diferente de ver a vida e de sentimentos simples. De gostar sem questionar, de amar sem perguntar porquê, de ter medo apenas entre duas brincadeiras e de esquecer rapidamente todas as angústias e ansiedades.

Larguei o computador e na varanda acendi um cigarro, uma pequena luz por baixo de um céu cheio de estrelas. E olhei para cima como fazia quando era pequeno, quando voava de olhos fechados e tudo era possível. Quando podia escolher o meu futuro e não me preocupava com o passado.


Agora

Sei finalmente que para andar para a frente tenho de voltar atrás, tenho de voltar a olhar com os olhos que são os mesmos. Sei que na simplicidade dos pensamentos de um pequeno rapaz de seis anos está a resposta para os meus problemas. Sei que tudo eventualmente irá ficar bem e vou poder estar sentado calmamente a olhar para o céu e apenas sorrir.

quarta-feira, junho 01, 2005

Um Passado Recente

Entrou em casa e reparou que estava completamente vazia. Tentou não pensar muito no assunto nem dar demasiada importância a este estranho facto, mas era difícil não tentar perceber o que tinha acontecido, não tentar pelo menos imaginar porque é que de um momento para o outro tinha desaparecido tudo à sua volta.

Sentou-se no chão e chorou durante muito tempo, tinha saudades de tudo, tinha saudades dos seus cd’s, dos livros que guardava com tanto cuidado, de todos os móveis que comprara ao longo dos anos, do quadro que desenhara e que estava por cima do sofá que também já não existia...

Era como se todo o seu passado tivesse desaparecido e com ele a memória de uma vida. Sentia que começava a esquecer-se de si próprio, sentia que lentamente deixava de saber quem era. Era como se todos os dias passados dentro daquela casa se estivessem a apagar aos poucos da sua memória.

Tinha uma ideia vaga de pessoas a conversarem, de serões animados com conversas em voz alta que agora pareciam simples sussurros. Sabia que também tinha amado dentro daquelas paredes mas já não sentia o cheiro dos corpos que via desfocados à sua frente, já não distinguia as formas umas das outras e juntava tudo numa enorme confusão que o angustiava cada vez mais.

Ainda conseguia lembrar-se de noites passadas sozinho frente à televisão ou a ler um livro, mas só conseguia sentir uma parte do que tinha vivido nesses momentos solitários, não conseguia lembrar-se das histórias que tinha visto ou lido, não conseguia lembrara-se de uma única cena, de uma única personagem, só pequenos fragmentos de sentimentos.

Levantou-se e limpou as lágrimas que não paravam de cair dos olhos. Sabia que a qualquer momento iria sair pela porta e que tudo se apagaria, sabia que iria esquecer-se do seu nome e de toda uma vida.

Olhou para os lados e tentou por uma última vez lembrar-se da casa cheia, reconstruir por um breve momento toda uma existência e todo um passado. Fechou os olhos e viu várias cenas que se apagavam quando olhava para cada uma delas, uma última visão de uma felicidade que não iria sentir nunca mais.

Saiu uma última vez pela porta e desceu a rua sem olhar para trás...