segunda-feira, outubro 18, 2004

sonho de uma noite sem fim

Sabia que estava dentro de um sonho, o mais real em que alguma vez tinha estado. Sentia uma sensação estranha, um medo que me assustava mas que ao mesmo tempo me dava prazer e andava devagar por cima da erva seca provocando um som que se juntava aos barulhos da noite.

O cenário era o de uma longa planície iluminada pela luz da lua e das estrelas que se podiam ver a brilhar por cima de mim. A linha do horizonte só era perturbada pela gigantesca montanha que se erguia à minha esquerda e que tapava uma grande parte do céu. Estava em África, sabia-o pois aquele cheiro que eu nunca tinha sentido era igual ao que tinha imaginado durante toda a minha vida.

Ouvia os animais que pareciam afastarem-se de mim e continuava a caminhar olhando o céu que aumentava de brilho a cada hora que passava. Podia ler o meu caminho nos desenhos feitos pelas estrelas que me indicavam para onde ir. A ansiedade era muito grande, não sabia bem quem ia encontrar, não sabia o que me fazia caminhar durante horas, numa viagem que não acabava. Mas não me sentia cansado, nos sonhos podemos caminhar durante dias e não sentimos nem fome nem sede. Mas a ansiedade aumentava e envolvia-me de uma forma estranha, quase doce.

Não sabia o que significava aquele sonho, não sabia o que é que estava ali a fazer, mas tudo parecia natural, era como se toda a vida estivesse estado à espera daquela noite sem fim. Como se o que procurasse pudesse resolver de uma vez por todas as minhas ansiedades, os meus pânicos, as minhas angustias. O meu coração batia cada vez mais forte enquanto eu respirava fundo, fechava os olhos e sentia tudo à minha volta. Estava nervoso, mas sentia um prazer enorme em estar ali naquele momento.

Deitei-me no chão e olhei para as constelações, sentia um ligeiro cheiro a queimado de algum incêndio longínquo e vi as aves a fugirem, nuvens negras que se afastavam do perigo e que voavam em direcção à montanha, procurando abrigo debaixo da sua sombra, tornando o céu por cima de mim ainda mais negro. Os outros animais não fugiam, mas faziam-se ouvir cada vez mais alto. Não conseguia perceber as suas histórias, mas sentia-me aconchegado por aqueles lamentos. Continuava assustado e de olhos fechados respirei fundo sentindo o cheiro no ar...adormeci e sonhei.

Aquela noite não ia acabar...

terça-feira, outubro 05, 2004

O Tempo outra vez

Mas o tempo passa e nós mudamos. Deixamos de ser quem éramos e temos medo do que vem a seguir. Apesar de tudo o sorriso é o mesmo, é o sorriso da fotografia a preto e branco que agora já não é só meu. Não sei como vai ser a partir deste momento, mas sei que vai ser diferente. É uma sensação que assusta mas que também nos faz brilhar os olhos, os olhos que já não vemos só no espelho.

Sempre tive medo de crescer, de perder uma parte de mim, de não correr mais pelo corredor da casa e de ver os filmes escondido atrás da porta. Sempre achei que nunca ia mudar, que ia para sempre olhar o céu da mesma maneira e de sonhar. Mas todos mudamos, todos nós nos transformamos em alguém que não somos e que sempre conhecemos.

Não quero deixar nada para trás e olho desesperadamente para o passado. Não vejo alegria nem tristeza, vejo apenas um miúdo a brincar com um carro pequeno e que não olha para mim. Mas eu sei que ele sabe que eu estou aqui, sabe que somos o mesmo e que não nos podemos separar.

Lentamente dou um passo e começo a caminhar, para logo de seguida voar...