segunda-feira, julho 13, 2009

Nós

Dentro do carro. Não resisto e ponho a tocar a música que me fez chorar. Os teus olhos são verdes, só eu os consigo ver assim, só eu consigo ver que as cores são o que imaginamos. Os teus são verdes, como nas mil vezes que o gritaste a todos, até desistires, não pelo medo de ser louca, mas porque o desejavam. O tempo quase não dá para um pequeno adeus.
Lanço um desafio.
— Vamos fazê-lo maior.
— Mas... não se pode mexer no tempo.
Eu rio sem te magoar.
— Claro que sim, é a única coisa que podemos mudar, transformar estes minutos em horas, fechar os olhos e ficar aqui para sempre.
Os teus olhos brilham, castanhos, quase pretos. No primeiro sonho não eras tu, mas sim a menina do segredo, da feira e da noite de despedida.
Conto-te a história.
— Sou uma segunda escolha?
— Sim, neste sonho, aqui dentro do carro, és.
Choras, cedo demais. Depois perguntas.
— Quando é que percebeste?
— A tempo, acho que a tempo.
Porque fazes isto? Queres que me aproxime, que te deixe chegar, não vês que me fazes fugir?
— Só se quiseres, se continuares a lutar.
— Mas eu não luto...
Interrompo-te.
— Lutas, lutas sem fazer barulho, até que já nem percebes, mas lutas.
Tu ficas a pensar. Eu volto a pôr a música do princípio. Não é justo, mas desisti do que é justo.
— Quem é ela, no outro sonho?
Irrito-me.
— Nem penses, vive este, vive este se quiseres, os outros são meus, não são para partilhar.
Gritas comigo.
— Não se partilham sonhos? Não me faças rir. Percebes o que acabas de dizer?
Respondo com calma.
— Estes não. Vivem-se ao mesmo tempo.
— Palavras, só sabes viver em palavras, transformas todo o mundo com as palavras. Assim tudo pode ser o que quiseres, sabes isso não sabes?
Não respondo, apenas aponto para o relógio. As lágrimas voltam à tua cara, desta vez no momento certo. Perguntas o que já sabes.
— Só?
Sorrio antes de responder.
— Sim, só. Incrível, não é?
— Sim, nunca pensei que fosse possível...
Desisto de falar. Toco devagar nos teus dedos, primeiro como se fosse sem querer, depois como num pequeno engano, até ter de decidir. Faço um jogo comigo. Só se nenhum dos dois falar. Desejo, abro muito os olhos para que percebas, espero um minuto, com a minha mão na tua. Subo então pelo teu braço, pela pele arrepiada, toco-te no ombro, afasto a tua camisola e sopro, sinto o teu pescoço que se encolhe. Ponho os meus olhos nos teus, quase sem pestanejar, tento ver por trás do castanho, como quando olhamos o reflexo num vidro, antes de vermos mais longe. Cheiro o teu respirar, o calor do transpirar, do dia que passou por ti. Chego mais perto, os lábios a um segundo, transformado em dois, em mais um, que me faz tremer, depois colo-os aos teus, primeiro de forma leve, depois num apertar, que não nos deixa respirar. Puxo-te para mim, junto o teu corpo, o meu peito ao teu, com força, sem te magoar, até doer. Sinto as tuas mãos em mim, agarras-me a cabeça, mordes-me os lábios, beijos, que desisto de contar. Respiro fundo. Esqueço-me. De olhos bem fechados.

Imagino palavras em sussurro, que repito sem parar, até conseguir olhar. Estou sozinho no carro e deixo a música tocar, deixo que volte ao princípio, mais uma vez. Estico a mão e fecho a porta, que não ouvi abrir. Tenho as mãos vazias, mas o sonho começou...