terça-feira, junho 29, 2004

O Fim do Mundo

...uma vez ouvi alguém dizer num filme - “este é um bom dia para morrer”...

Insónia

Entrei no metro e sentei-me perto de dois homens que não pareciam portugueses, é engraçado como conseguimos olhar para uma pessoa e dizer que ela não pertence ao sitio onde está. Apesar das teorias que se baseavam nas diferentes características físicas terem perdido força ao longo dos anos, a verdade é que todos nós continuamos a utilizar esta forma de análise quando olhamos para as pessoas ao nosso lado.

Os homens saíram do metro e eu olhei para o outro lado e reparei em duas mulheres que falavam alegremente. Tentei ouvir a conversa mas elas falavam de uma maneira que eu não entendia nada do que diziam, não percebia se tal acontecia por casa da distância a que nos encontrávamos ou se falavam numa daquelas línguas parecidas com a minha.

Aproximei-me para tentar descobrir mas elas saíram quando o metro parou, ainda pensei em segui-las mas rapidamente cheguei à conclusão que era exagerado e que talvez conseguisse viver com aquela dúvida para sempre. Acontecia-me muitas vezes isto, ficar perante situações que queria perceber melhor, mas que a educação e se calhar a vergonha, não me deixavam dar um passo mais arriscado. E assim ficava com muitas perguntas sem resposta que nunca esquecia, era esse o meu pesadelo, o eterno recordar de situações simples, a angústia de não ter resolvido pequenos quebra-cabeças e de ter de viver para sempre com eles.


Morte

Acordei com o rádio e com as noticias das sete da manhã, onde alguém dizia que íamos todos morrer, eu tentei acordar outra vez mas não deu resultado, a frase continuava a ser repetida. Mudei de estação e todos falavam do mesmo, parecia que era mais ou menos consensual que íamos todos morrer, mas eu continuava a não perceber nada do que se estava a passar.

Liguei a televisão e percorri os canais até ver a entrevista do físico que dizia que iríamos ser atingidos por um meteoro de grandes dimensões em menos de vinte e quatro horas. Era um homem estranho e ao principio não percebi porque estavam a dar tanta atenção a alguém que eu identificava como um lunático. Mas depois vieram as reacções da comunidade cientifica, ninguém concordava com os cálculos, mas todos falavam da grande competência do senhor que dizia que iríamos morrer. Decidi não ir trabalhar, era o mínimo que podia fazer perante tal confusão.


Medo

Passeava pela baixa e olhava para todos a tentar perceber o que pensavam do assunto, pelo que podia perceber a maioria das pessoas não tinha dado especial relevância à noticia, pois todos pareciam continuar a sua vida normalmente, mas podia jurar que havia uma tensão no ar, que os olhares eram desconfiados e desanimados.

Tinha telefonado a todos os meus amigos e ninguém tinha achado que alguma desgraça fosse acontecer, mas também me parecia ter reparado num pequeno nervosismo nas suas vozes, podia ser tudo imaginação minha, mas era o que sentia, sentia que ninguém queria admitir que estava afectado por algo com poucas probabilidades de acontecer, mas que todos estavam perturbados de alguma maneira. Decidi que ia passar o dia sozinho.

Tirei o leitor de mp3 da mochila que trazia comigo e escolhi uma música alegre para aquele dia que talvez fosse o último da minha vida. Desci até ao rio e acompanhado pela minha banda sonora pessoal andei devagar enquanto respirava o ar fresco da manhã. Era muito estranho pensar que tudo podia acabar, havia ainda tanto para fazer. É claro que era pouco provável que isso acontecesse, mas decidi pensar um pouco no assunto.


Palmas

Almocei sentado num muro perto do rio enquanto olhava umas obras muito barulhentas, todos trabalhavam muito concentrados e não pareciam ter ligado ao facto do mundo poder acabar. Tinham fatos amarelos que condiziam com as máquinas que abriam o chão escavando um enorme buraco. Pensei que talvez fosse melhor deixar o meteoro tratar dos buracos, mas não tive coragem de me meter com aquelas pessoas.

Saí dali e fui dar a um jardim onde parecia estar acontecer algo, pois estavam centenas de pessoas perto de um palco. Aproximei-me e percebi que era um concerto. Que hora estranha para um concerto, ainda por cima num dia de semana e com o calor que estava, não percebia quem tinha tido aquela ideia, mas a verdade é que tinha conseguido atrair um grande número de pessoas para assistirem ao espectáculo.

Tinha-me sentado no chão a ouvir o concerto e olhava as pessoas despreocupadamente quando reparei numa rapariga que me chamou atenção. Estava vestida com uma camisola vermelha e uma saia azul com umas bolas brancas pequenas, era loura e tinha uns óculos que lhe davam um ar muito formal, como se quisesse parecer mais bem comportada do que era. Eu sempre adorei olhar as pessoas e tentar imaginar como eram as suas vidas e naquele momento decidi pensar um pouco naquela rapariga enquanto ela ouvia a música que continuava a tocar.

Mas de repente sucedeu algo muito estranho, no meio de uma das músicas ela começou a bater com as mãos por cima da cabeça, como todos os que estavam ao seu lado e eu quase que podia jurar que conseguia distinguir as palmas dela das dos outros. Achei que era imaginação minha e aproximei-me um pouco. Não parecia possível, mas quando ela batia com as mãos uma na outra eu conseguia ouvir aquele aplauso mais alto do que os outros. Mas o mais engraçado é que era apenas um pouco mais alto do que as restantes palmas, bastava que a banda tocasse um pouco mais alto ou que alguém ao seu lado gritasse e eu deixava de a ouvir, mas depois tudo voltava ao normal e eu podia ouvir a música acompanhada por aquelas mãos mágicas.


Perguntas e respostas

Estava completamente baralhado, o que provocaria aquele fenómeno, seria o formato das suas mãos pálidas, seria do sitio onde ela se encontrava, ou seria que eu tinha finalmente perdido o juízo? Não tinha resposta para estas perguntas mas estava decidido a não viver com mais um mistério por resolver, a mais noites sem dormir para tentar perceber porque é que sempre que atendia o telefone via as inicias de quem me ligava nas matriculas dos carros, porque é que quando dormia num hotel ficava sempre num quarto com o meu número favorito. Não aguentava mais que a minha vida fosse invadida por um caso sem solução, por algo que só me iria trazer ansiedade e desconforto. Decidi ir ter com ela.

Tinha ficado tanto tempo a observar aquela cena que não tinha reparado que tinha anoitecido, na verdade era um pouco estranho como é que tinha anoitecido, não parecia que tinha passado tanto tempo, mas já tinha um mistério para resolver e decidi não ligar. Avancei decidido para ela e quando cheguei perto toquei-lhe no ombro, ela olhou para mim e quando eu estava quase a falar ouvi um enorme estrondo por cima de nós, tinham começado a lançar fogo de artificio e fiquei uns minutos a olhar para cima e as formas que apareciam no céu estrelado. Por momentos esqueci-me onde estava e que o mundo ia acabar.

Senti então uma mão na minha e olhei para a rapariga das palmas, ela abriu a boca e disse qualquer coisa que eu não percebi, a música continuava a tocar e em conjunto com o fogo de artificio era muito difícil ouvir alguém, mas pareceu-me que ela não estava a falar português, tentei gritar qualquer coisa em inglês mas ela encolheu os ombros, não tinha percebido ou não tinha ouvido? Não insisti, decidi que ela era Suiça e que se chamava Anne e fiquei de mão dada com ela a ver o fogo.

Tudo era mais claro para mim de repente, o som das suas mãos era mais alto devido a uma técnica muito antiga que os suíços desenvolveram para comunicar nas montanhas. Mas não bastava saber como tocar com as mãos, a forma delas também era importante e Anne pertencia a uma família onde as mulheres tinham as mãos mais perfeitas de toda a Suiça. Era uma herança genética que tinha passado de geração em geração e que tinha de ser mantida em segredo pois haviam muitas pessoas interessadas em utilizar este dom para fins maléficos. Mas eu não representava perigo e podia agarrar suavemente nas suas mãos e sorrir.


Fim

A concerto acabou e nós afastamo-nos um pouco das outras pessoas, eu olhei-a um pouco sem dizer nada e ela sorriu enquanto guardava os óculos numa pequena mochila que trazia às costas. Queria perguntar-lhe quem era ela, mas não sabia em que língua devia falar e não queria começar mal, tinha errado muitas vezes no passado e sabia bem que as primeiras palavras eram as mais importantes.

Decidi avançar na minha língua materna com um simples cumprimento e ela pareceu compreender, mas nunca me chegou a responder pois subitamente todos desataram a gritar quando milhares de estrelas cadentes rasgaram o céu negro por cima de nós. Foi como se todos entrassem em pânico ao mesmo tempo, via pessoas a correr de um lado para o outro fugindo sem saberem do quê, via outras quietas no chão chorando como crianças e sentia o medo no ar, era o medo da morte, o medo de não ver a manhã seguinte.

Então, no meio da confusão, o fogo de artificio que não tinha sido lançado começou a voar por entre as pessoas, deixando rastos de todas as cores. Ninguém sabia para onde fugir, era como se estivéssemos numa jaula de fogo, numa camisa de forças com cores magnificas que subiam ao céu e nos perseguiam enquanto corríamos desesperados. Eu fiquei quieto a observar todo aquele espectáculo, o céu continuava todo riscado de vermelho e laranja e as estrelas cadentes confundiam-se com o fogo que nos envolvia.

Achei que era um final muito bonito e deixei-me estar em pé a sentir todas as emoções de quem passava por mim. Já não estava de mão dada com a rapariga das palmas, o fogo tinha-nos separado e teimava em não nos deixar aproximar um do outro, mas conseguia vê-la a olhar o céu com a mesma calma com que eu assistia àquele fim do mundo. Então sentei-me no chão, tirei os auscultadores de um dos bolsos das calças e ouvi uma das minhas músicas preferidas, um momento como aquele merecia uma banda sonora.

O mundo não acabou, mas tinha sido um bom dia...

quinta-feira, junho 03, 2004

Orion

Espera

Esperava por um telefonema há dezasseis dias e todas as noites sentava-me no sofá da sala fixando sem parar o telefone preto que teimava em ficar silencioso. Nestas noites solitárias não pensava em mais nada, parecia impossível, mas conseguia ficar várias horas frente àquele objecto apenas com um pensamento na cabeça. Nem sequer pensava no motivo do telefonema ou na pessoa que o deveria fazer, era como um transe que se tinha apoderado de mim, uma espécie de meditação amaldiçoada em que conseguimos isolar apenas um pensamento deixando tudo o resto de lado. De repente ouvi o barulho há muito esperado. Hesitei...e então num segundo veio-me tudo à mente e relembrei o que se passara.


Antes

Sempre tinha sido uma pessoa solitária, o que não queria dizer que não conhecesse muitas pessoas, era mais um sentimento interno que fazia com que sentisse que por muitas pessoas que estivessem comigo eu ia ser sempre a pessoa mais solitária do mundo, como se este mundo tivesse sido construído só para mim e as outras pessoas fossem meros actores, figuras abstractas e inexistentes cuja única função era contracenar comigo neste sonho maldito. Pensava muitas vezes o que fariam elas quando eu não estava presente. Mas não tinha nenhuma confirmação desta minha teoria e continuava a contracenar com os outros, sempre com a sensação de solidão.

Todos diziam que eu era muito calado e muito distante, apesar de eu achar que para quem estava tantas vezes “fora deste mundo” tinha muitos amigos. Mas era verdade que eu intimidava muita gente, só não percebia se isso também fazia com que eu tivesse um certo “estilo” ou se só fazia de mim um pobre diabo aos olhos dos outros.

Já entrara na casa dos trinta e todos os meus relacionamentos tinham sido muito parecidos, começavam baseados em interesses comuns e até funcionavam bem ao principio, até que o dia-a-dia surgia e como eu raramente estava “presente”, elas acabavam por ir embora. Tinha havido uma rapariga de quem eu gostara muito e que me conseguira puxar um pouco para o nosso mundo, mas mesmo ela não aguentou muito viver com uma pessoa tão fechada e acabou por seguir o seu rumo.

Apesar de não parecer eu pensava muito nisto tudo e nas razões para eu ser assim, não havia muito a dizer, família disfuncional, falta de afecto, basicamente um pouco de pequenas coisas que tinham deixado as suas marcas. Mas nem tudo era cinzento, às vezes eu acordava de manhã e passeava sozinho pela cidade e conseguia sorrir um pouco com o ar fresco da manhã. Por vezes lia um livro ou via um filme que me levavam a mundos desconhecidos e onde eu me sentia muito confortável. E também conseguia ser agradável com algumas pessoas, não era muito habitual, mas acontecia e uma coisa era verdade, não costumava ser antipático para com ninguém, só estava distante muitas vezes.


O que é isto?

Até que um dia a minha vida foi invadida por um estranho, ou melhor por uma estranha. E não era só estranha por eu não a conhecer, era mesmo uma pessoa muito estranha.

Foi no aniversário de um amigo meu que a conheci, acho que nos puseram ao lado um do outro de propósito, uma espécie de experiência dos meus amigos. O que aconteceria se dois “que não regulam bem” se conhecessem? A coisa correu muito mal pois nós mal olhávamos um para o outro e para piorar todas as pessoas à nossa volta já tinham arranjado um parceiro de conversa.

Um pouco farto de estar sempre sozinho resolvi meter conversa.
- Parece que nos quiseram juntar aqui de propósito.
- Eu já reparei, mas não me sinto obrigada a fazer conversa. Disse ela de uma maneira não muito simpática.
- Pois eu também não mas também não me importo de conversar.
- Conversar sobre o quê?
Fiquei um pouco irritado com tanta má disposição, mas insisti.
- Podíamos tentar perceber o que há de diferente entre nós e o resto das pessoas que estão nesta mesa.
- Poder podíamos, mas sinceramente não sei se isso vai ser muito interessante.
Com esta resposta calei-me. E ainda diziam que eu era distante!

Saí para casa já tarde e quando cheguei ao carro tinha um pequeno papel preso no vidro. Uma mensagem que abri rapidamente, era dela. Pedia desculpa pela má disposição e convidava-me para nos encontrarmos no dia seguinte. O local do convite era uma esplanada com uma vista muito bonita sobre o mar que eu conhecia, resolvi não decidir no momento, quando acordasse decidiria.


Ao sol

Acordei e pareceu-me que pior que o jantar não deveria ser e ela era realmente muito bonita, depois de um almoço à pressa dirigi-me para a esplanada. Quando cheguei não estava praticamente ninguém e sentei-me numa mesa que ficava num canto abrigado do vento, mas que deixava ver as ondas a embaterem nas rochas. Pedi um bebida e fiquei ali sozinho à espera dela.

As horas passaram e ela não apareceu, apesar de tudo tinha sido uma tarde muito agradável. Tinha passado horas a observar os outros na esplanada e a imaginar como seriam as suas vidas. Consegui inventar pelo menos cinco histórias muito interessantes que me ocuparam a cabeça durante aquele tempo todo.

Obviamente que ela não devia aparecer e decidi que era altura de ir para casa. Tinha o carro estacionado um pouco longe e decidi dar um volta pela praia antes de me ir embora e acabei sentado na areia a pensar na vida, pois não tinha muita vontade de ir para casa. Deitei-me e olhei o céu azul, até que adormeci debaixo daquele sol suave.


Orion

Quando acordei era de noite, fiquei incrédulo, como é que eu podia ter dormido tanto tempo? Como sempre não tinha relógio, mas o brilhar das estrelas confirmava que de facto já era de noite e que eu tinha dormido imenso. Acho que a palavra correcta era desmaiado e não dormido, pois só assim podia explicar algo tão estranho.

Olhei para o lado e a praia parecia vazia, até tive um pouco de medo, até que reparei em alguém uns duzentos metros à minha esquerda. Dirigi-me à pessoa para perguntar as horas e conforme me fui aproximando reparei que era um rapariga que parecia estar a observar o céu através de um telescópio. Cumprimentei-a e ela levantou a cabeça para olhar para mim, era também muito bonita, parecia que eu andava com sorte. Confirmou que era tardíssimo e perguntou-me se eu gostava de astronomia, eu respondi que gostava mas que sabia pouco sobre o assunto.

Ela apontou para um conjunto de estrelas e perguntou-me se eu sabia o nome daquela constelação. Por incrível que pareça eu sabia e respondi que era Orion, mas para falar verdade não me lembrava por que razão tinha sido capaz de responder. Ela sorriu e disse que era a constelação favorita dela e que ficava muitas vezes horas a olhar para ela, eu perguntei como é que se tinha um constelação favorita, mas ela apenas encolheu os ombros e voltou a olhar o céu pelo telescópio.

Acho que noutras situações teria tentado conhecê-la melhor, mas estava cansado e resolvi ir-me embora. Despedi-me com uma banalidade qualquer e fui andando até ao carro. Quando lá cheguei reparei que tinha outro bilhete. Abri-o um pouco desconfiado e li algo muito estranho, o bilhete dizia “Faltaste ao nosso encontro, mas eu percebo, Orion é muito bonita”. Fiquei aterrorizado e corri para a praia à procura da rapariga do telescópio, mas nada, não estava ninguém na praia.


Sonho

Quando cheguei a casa telefonei para o meu amigo que fizera anos no dia anterior e perguntei-lhe quem era a rapariga que ficara ao meu lado no jantar, o silêncio do outro lado da linha deixou-me desconfortável, até que ele respondeu que eu tinha estado sentado entre dois amigos comuns e que não tinha aberto a boca a noite toda, não havia rapariga nenhuma.

Parecia que estava enlouquecer, desliguei e corri para a entrada onde tinha deixado a carteira, lá dentro encontrei os dois bilhetes. Isto não fazia sentido, por um lado sabia que não tinha sido tudo imaginação minha, mas por outro o simples facto dos dois bilhetes existirem era contraditório e assustador.

Adormeci na sala e tive um sonho muito estranho em que fazia uma tatuagem com a forma de uma constelação desconhecida. E ao meu lado de mão dada estava a rapariga do jantar com uma t-shirt branca com uma palavra em azul, “Atende!”.

Acordei sobressaltado. O que era isto? Estava a perder a sanidade mental? Ou seria que o meu mundo privado sempre existia e estava a desmoronar-se? Fui para o quarto e com alguma dificuldade consegui adormecer, mas foi a noite mais estranha de toda a minha vida, tive centenas de sonhos e pesadelos, que pareciam irem-se repetindo enquanto eu dormia. Nos pesadelos estava quase sempre presente a rapariga do jantar e nos outros sonhos a rapariga do telescópio, mas acho que em alguns dos sonhos tudo se misturava e eu viajava pelas estrelas, dizendo o nome de cada uma delas. Lembro-me também de uma dor que sentia no braço direito, como se tivesse sido picado por algum insecto, era uma sensação que me acompanhava em todos os sonhos.


Realidade?

Acordei completamente angustiado, mas ao mesmo tempo com a sensação de ter vivido algo importante e real. Por esta altura já não dava muita importância ao sentido do que tinha acontecido, só queria que as coisas acalmassem. Pensei na minha vida e no meu mau humor que parecia estar sempre presente, desejei apenas ser feliz e ter uma vida normal.

Fui tomar um banho e quando me despi reparei que no meu pulso esquerdo tinha uma tatuagem. Toquei no pulso e estava dorido, como é que isto era possível? No sonho eu sentira dores no braço direito, não no esquerdo, eu tinha a certeza. E se os sonhos fossem como os espelhos e mostrassem as coisas ao contrário? Olhei para o espelho da casa de banho e levantei o braço, vista através do espelho a tatuagem parecia um número, o dezasseis.


Dezasseis

O telefone tocava já há uns segundos e eu ainda hesitava, quem estaria do outro lado da linha, o que é que iria acontecer. Eu sabia que tinha de atender, eu estava há dias à espera deste momento, mas continuava a hesitar em agarrar no auscultador. Olhei para a janela e reparei que o céu estava completamente estrelado, olhei para o meu pulso e para a tatuagem e foquei a minha atenção outra vez no telefone, senão atendesse depressa podia ser tarde demais...

Então atendi e ouvi uma voz feminina do outro lado.
- Olá, sou eu, estava quase a desligar, demoraste muito tempo a atender.
- Eu sei, é que tive um dia muito cansativo e acho que estava a dormitar. Respondi, sem saber porque é que estava a dizer aquelas palavras.
Ela continuou.
- Olha hoje está uma noite perfeita para ver o céu, Orion vai estar muito tempo visível e tu no outro dia disseste que era a tua constelação preferida.
Sorri.
- Pois é, eu vou já para aí, beijos.
- Beijinhos, despacha-te!

Entrei no carro e procurei outro bilhete, mas não havia nenhum. Fiquei uns segundos a pensar nos últimos dias, que estranha era a vida. Mais uma vez não consegui achar sentido para nada do que tinha acontecido. Liguei o carro e sorri, pensei no meu mau humor e que ele era capaz de desaparecer nos próximos tempos.

Cheguei à praia e vi uma rapariga de volta de algo, saí do carro e pisei a areia, era uma sensação agradável. Caminhei devagar, tentando que ela não me ouvisse para poder gozar uns últimos momentos de solidão. Então, já muito perto dela, ela virou-se e sorriu para mim, eu sorri também e fui ver Orion...