sábado, abril 24, 2004

Tempo

Queria que o tempo parasse aqui para poder olhar tudo à minha volta, ler os livros que comprei e ver todos os filmes que já foram feitos. Então tudo à minha volta fica em câmara lenta e eu sou o herói super-sónico que passa por todos sem ser notado. Não uso relógio pois o tempo não existe, é uma invenção dos homens.

Voo por cima do mar sem saber onde estou, sem saber que dia é e que horas são. Não sei o meu nome, não sei de onde venho, estou sozinho, mas o tempo não passa. Eu subo para o céu, toco as estrelas que brilham sem saberem porquê e que não se preocupam com o seu fim.

Eu tenho medo do dia em que o tempo vai fazer sentido e quando não puder voar mais. Tenho medo de me aparecer de repente um relógio no meu pulso esquerdo e de voltar a ouvir aquele tic-tac que me provoca uma angústia sedutora. Nessa altura os pesadelos vão voltar e os miúdos à volta da árvore velha vão cantar uma música desconhecida que nunca acaba.

Toco flauta em cima de um telhado, olho o céu e vejo que está cor-de-laranja e verde. Sei que nasci e que sou filho de uma mãe que não existe mas que consigo ouvir ao fim da tarde. O sol traz esse som com uma cor de ouro e eu respiro fundo antes de partir. As crianças já ouviram a flauta e voam para a ponte de vento.

Na noite de tempestade eu ouço os tambores e vejo a guerra à minha frente. A lua faz brilhar as espadas que estavam guardadas para esta batalha entre os dois mundos. Consigo ver o brilho nos olhos dos nossos oponentes e cheiro o medo no ar. O sonho pode acabar aqui hoje pois o sangue derramado vai abafar a música. Embora a nossa causa seja nobre sei que isto é errado mas agarro na minha espada e com os olhos num só dos meus inimigos, corro sem pensar.

A morte ceifa as vidas dos dois lados e não me vê passar e eu continuo sem tocar em ninguém, a minha lâmina tem um encontro e tem de estar imaculada. Paro então e quase consigo tocar nos seus cabelos negros que neste mundo parecem não ter fim. Sinto vontade de a beijar mas tento atingir o seu coração. Quase que nos erguemos no ar e lutamos brutalmente com amor e ódio por uma causa desconhecida.

Um silêncio repentino, a guerra parece que assiste e as espadas param a olhar para nós, mas é tarde demais, um leve tocar de lábios, um olhar triste e dois corpos são feridos, caímos no chão de mãos dadas, sem sentir nada, sem ouvir nada, a chuva junta o sangue e nós morremos.

O tempo não passou, pois não existe e eu voo...

1 comentário:

rmena disse...

Gostei. Confuso, diferente, original e o sentimento está lá! Parabéns