terça-feira, agosto 02, 2005

Tento viver

Sentado à tua frente olho para a tua cara e tento imaginar o que estás a pensar. Tu sorris descontraidamente enquanto olhas para a rua e para as pessoas que passam, observas e tentas descobrir o que pensam todos os que atravessam a praça em frente à nossa casa, um último andar no meio desta cidade antiga que nos esconde.

Penso no que deixámos para trás, na vida que tivemos de largar para estar juntos, penso nos amigos que não vamos ver mais, na família que já não é nossa, nas pequenas coisas que faziam parte do nosso dia-a-dia e que perdemos para sempre. Sofro por ti, por não saber se fiz bem em roubar-te ao teu mundo, em trazer-te para junto de mim, pois não sei o que é o amor e não consigo prometer que tudo vai estar bem para sempre.

Um pombo aterra na varanda onde estamos e olha para nós de forma estranha, como se pudesse sentir os sentimentos confusos no ar, como se pudesse sentir o amor, a saudade e a ansiedade que coexistem neste espaço. Quero ter a certeza que o nosso sonho vai ser suficiente para compensar o que deixámos, quero ter a certeza que estamos certos e que isto que sinto neste momento vai durar para sempre.

Olhas para mim e parece que consegues adivinhar o que te quero dizer, o que quero gritar para que todos ouçam. Estou apaixonado como nunca estive na vida, mas tenho as mesmas dúvidas de sempre, tenho medo do futuro, tenho medo de viver.

Chegas perto de mim e passas a tua mão no meu cabelo, conheces-me como ninguém e sabes que estou com a cabeça cheia de ideias que me fazem sofrer. Dizes que me amas e que tudo vai ficar bem, ofereces-me o teu colo e tentas sossegar-me como uma mãe faz com um filho assustado. Ouço as tuas palavras que me dizem que um dia vou ter de crescer, que um dia vou ter de enfrentar a vida de frente. Pergunto se não é isso que estou aqui a fazer contigo, se não foi o que fiz ao não ter olhado para trás. O teu olhar é terno e eu não preciso de respostas, sei tudo o que me podes dizer e levanto a cabeça para respirar o ar da manhã.

Olho também para a pequena praça e para todos os que caminham de forma apressada, toda a gente parece saber exactamente para onde quer ir, mas eu sei que não pode ser verdade, que os outros também têm de ter os mesmos medos, as mesmas angústias, que não posso ser o único.

Afasto-me de ti e dirijo-me para a porta da varanda, digo que vou dar uma volta e tu não dizes nada, ficas apenas a olhar para a rua com uma cara alegre. Desço as escadas de madeira enquanto penso em tudo e saio para a rua, saio para a praça que estava a observar e sei que tu lá de cima olhas para mim, sei que agora sou mais um que caminha como se soubesse para onde ir.

Sorrio por estar junto dos outros que minutos antes observava e percebo como estamos todos ligados, como somos todos iguais. Não tenho destino, mas ando de forma apressada e tenho de me conter para não olhar para trás e para o teu sorriso. Continuo a andar, continuo a tentar viver.

2 comentários:

M de M disse...

Eu ainda não sou grande...mas tento viver como uma grande mulher!

***

laura disse...

viver é isso mesmo, não ter certezas. Os passos dependem apenas de nós.