quarta-feira, julho 20, 2005

Um dia cinzento (um sonho estranho)

Doem-me os olhos e sinto que estive longe durante muito tempo, sinto que não sei onde estou e que estou perdido no tempo. Sei que existo porque sinto, mas não sei que tipo de existência é esta em que vejo tudo a preto e branco. Toda a minha vida vivi aprisionado no meio de outros que partilhavam a minha sorte, apenas números e nunca nomes, apenas dor e nunca alegria, sempre o choro em vez do riso. Hoje consigo olhar para o passado sem temer o futuro e posso finalmente confrontar os meus fantasmas. Sento-me e tento escrever sobre a minha vida, sobre os anos em que vivi sem a luz do sol, sobre os anos em que não sabia quem era e tento pôr em palavras o que os meus olhos só conseguem ver no meio de imagens desfocadas, no meio de sonhos que me fazem acordar assustado.

A libertação deveria ter trazido a bondade ao meu mundo, mas as coisas não aconteceram assim. E ainda consigo ver-nos todos reunidos depois de anos fechados dentro de quatro paredes, as caras sérias que deviam sorrir e não questionar, a loucura que se tornara demasiado presente e que não podíamos largar. Então o caos, a negação do que sonháramos toda a vida, o negro renascido do negro. Consigo ver o primeiro movimento como se estivesse a acontecer à minha frente, a primeira mão levantada e todas as outras ligadas a ela. O fim de um sonho que demorou pouco tempo a transformar-se no maior dos pesadelos.

No meio de todo o frenesim estou escondido à procura de uma cara que não tenha os olhos fechados, procuro desesperadamente por alguém que tenha conseguido escapar a este destino infeliz, o de ver o sol apenas por um segundo e tapá-lo com as mãos negras de desespero. Mas existem outros como eu, outros que choram perdidos no meio da multidão enfurecida, outros que se libertaram de verdade e não querem ceder à loucura. Refugiamo-nos na sombra e desejamos que tudo acabe depressa. Vemos tudo a acontecer à nossa frente, do nosso esconderijo sem luz podemos olhar para o mundo a acabar sem podermos fazer nada que não seja rezar sem saber como, rezar para que tudo passe, para que tudo acabe.

Os olhos continuam a doer-me e luto para não parar de escrever, luto para me lembrar de todo o tempo em que estivemos agarrados uns aos outros sem saber o que nos ia acontecer, luto para não me esquecer de uma figura fraca que tentou juntar-se a nós, que suplicou por uns centímetros da nossa sombra protectora. Ainda consigo ouvir a resposta que veio através de um som seco e metálico ao meu lado, ainda consigo ver a forma frágil a ser projectada para trás, para o meio da luz das chamas. Naquele momento soube que se escapasse ao que parecia ser o fim deste novo mundo teria de vingar o que tinha acontecido e hoje sei que consegui, a nossa sombra não foi invadida, mas o mundo que começou naquele dia ficou livre do mal que se tinha infiltrado entre nós.

1 comentário:

Brida disse...

Os mundos que se constroem a preto e branco balançam entre os dois extremos, maldade extrema ou bondade absoluta...mas há por vezes tanto de cinzento em cada um de nós, e não só os sonhos ou os dias...e sim, concordo com a catarina, a luz ajuda a dissipar as sombras e os fantasmas...:)