quinta-feira, abril 14, 2005

Depois da Sala de Espera

Espera

João entrou na sala de espera do consultório e ficou surpreendido por encontrar alguém lá dentro. Há três anos que todas as semanas esperava alguns minutos naquela sala pequena com paredes pintadas de amarelo e não era costume ter companhia. Sentou-se em frente da rapariga de cabelo curto e tentou imaginar o que a traria àquele sitio. Pensava sempre no que pensariam as pessoas umas das outras no consultório. Ele pensava se seriam todos doidos, mas lembrava-se normalmente que podiam pensar o mesmo em relação a ele. Achava divertidos estes pensamentos e tinha-os sempre nas raras vezes que se cruzava com alguém.

Olhou directamente para a rapariga outra vez e ela devolveu o olhar de forma muito directa. Como sempre ficou com um enorme frio no estômago e não aguentou mais do que um segundo a olhar para ela. Tinha sempre este comportamento, passava a vida a olhar para os outros à espera de poder fazer algum contacto e quando olhavam de volta, simplesmente não aguentava. Riu-se dele próprio e não sabendo bem como, falou de forma atrapalhada.
- Olá.
Ela respondeu timidamente.
- Olá.
- Eu sou o João. Nunca te tinha visto aqui.
De repente percebera o ridículo do que tinha acabado de dizer. Mas ela sorriu e respondeu.
- Esta é a minha segunda consulta.
- Eu já estou a fazer terapia há três anos, se tiveres alguma dúvida...
Mais um vez apercebeu-se do ridículo do que tinha dito e ficou muito vermelho enquanto tentava corrigir.
- Se calhar não era suposto estarmos a falar destas coisas.
- Não vejo qual é problema. Demorei muito tempo para decidir começar as consultas mas não tenho vergonha de vir aqui.
João ficou ainda mais vermelho.
- Eu também não...eu...eu já venho cá há três anos e...
Entraram na sala e chamaram a rapariga que se despediu com um sorriso.


Terapia

Estava furioso com ele próprio, não sabia como era possível ter feito uma figura daquelas. Entrou dentro da sala onde ia ter consulta ainda com o coração a bater e não teve coragem de dizer ao seu psicólogo o que tinha acontecido. Achou que ele ia criticar o facto de ter olhado para ela de forma tão directa. Já tinham várias vezes falado sobre a forma como olhava para as pessoas e não tinha vontade de admitir os mesmo erros, as mesmas falhas, os mesmo medos.

Foi uma sessão dolorosa, não se lembrava de nada para dizer e só lhe vinha à cabeça o que tinha acontecido na sala de espera. Tinha um ar interessante a rapariga com quem tinha falado. Mas isso não era novidade nenhuma, achava demasiadas pessoas interessantes e esse era um dos seus problemas, não conseguia ter calma e conseguir observar as pessoas, apaixonava-se muito depressa mas também perdia o interesse muito depressa. Esta instabilidade cansava-o.

Ao fim de uma hora estava exausto de tanto inventar assuntos para falar enquanto tentava pensar noutras coisas ao mesmo tempo. Sucedia-lhe isto muitas vezes, gostava de poder dizer que não queria continuar a sessão e ir embora, era demasiado penoso estar naquele lugar quando tinha a cabeça longe. Por outro lado havia alturas em que quase mandava calar o psicólogo, alturas em que uma hora parecia passar em minutos e o tempo voava. Nestas alturas sentia que aquele espaço era realmente útil e quase desejava poder passar mais tempo a conversar. Mas isto não acontecia sempre e as vezes em que não corria bem eram tão frequentes como as outras, o que o angustiava muito.


Caminhando

Quando saiu do prédio respirou com prazer o ar fresco de fim de tarde, tinha passado os últimos minutos com dificuldade em respirar e sabia-lhe bem estar na rua. Olhou para o lado e viu alguém sentado na entrada do prédio, era a rapariga. Ela olhou para ele e falou numa voz calma.
- Estava à tua espera, espero que não te importes.
Não sabia o que responder. Ficou um segundo calado e abriu a boca sem saber o que ia dizer.
- Eu...claro que não. Mas queres falar do quê?
- Não tenho nenhum assunto especifico, pensei só que podíamos caminhar um pouco e falar de banalidades.
João riu-se com aquela resposta.
- ok, vamos então falar de banalidades
E começaram a andar.

Durante uns segundos nenhum dos dois disse nada, mas não havia aquele ambiente próprio de quem não se conhece. Simplesmente estavam calados, mas tinha a certeza que no momento certo a conversa iria aparecer de forma natural. E assim aconteceu, mas não falaram de banalidades, conversaram sobre os seus sonhos, sobre o que gostavam que acontecesse nas suas vidas. Mas não de desejos materiais, falaram dos sonhos mais estranhos e pouco comuns que se podem ter e descobriram que eram parecidos na forma como sonhavam.

Enquanto andavam, não podia deixar de reparar como era estranha aquela empatia quase espontânea entre os dois, como se fossem dois amigos que se encontravam ao fim de muito tempo e conversassem como se o tempo não tivesse passado. Mas eles não se conheciam e não compreendia como podia estar assim perto de uma pessoa que conhecia há tão pouco tempo e sentir que lhe podia contar tudo. Não compreendia, mas sentia e continuava a andar.

Mas não conversaram sempre, não era preciso, sentia prazer só por estar junto dela e sabia que se fosse preciso já conseguia olhar directamente para os olhos dela. E também não pensava se estava a ficar atraído ou não por ela, não era muito importante, apenas queria gozar o momento e sentir-se bem sem ter de complicar as coisas. Sentia que o que se estava a passar era como se estivesse a passear e alguém tivesse começado a andar ao seu lado sem o conhecer de lado nenhum e na verdade não era muito diferente.


Adeus

Depois de terem andado durante muito tempo ela parou e disse que tinha de ir para casa. João olhou para ela e sorriu apenas, tinha acabado de passar uma das melhores tardes da sua vida com uma pessoa que não conhecia e não achava nada de estranho nisso. Naquele momento sentiu que podia largar a terapia e todas as drogas que sempre achou que iria tomar para o resto da vida. Claro que sabia que não era assim e que ainda tinha muito pela frente até se sentir equilibrado, mas sentia que tinha andado muito para a frente, como se tivessem passado anos e fosse outra pessoa.

Ela também sorria e ficaram os dois a olhar um para o outro até ela falar.
- Não vais dizer nada?
- Não tenho muito para dizer que tu não saibas. Para falar verdade acho que sabes tudo o que é realmente importante de mim.
Ela corou ligeiramente e acenou com a cabeça.
- E encontramo-nos para a semana?
Disse ela enquanto começava a descer as escadas do Metro.
- Claro.
- Então até para a semana.
- Deixa-me só fazer-te uma pergunta.
- Diz!
- O que é que achaste de mim na sala de espera do consultório.
- Sinceramente?
- Sim.
- Estava a pensar se serias doido. Tu também, não?
E riu-se de uma forma que ainda encheu mais a tarde de João.
Ele não respondeu e ficou apenas a observá-la enquanto descia as escadas.

1 comentário:

Lenore disse...

Tinha mesmo de comentar,até porque por tua causa vou chegar atrasada ao trabalho...;) Mais uma vez me deliciei...Obrigada!