sexta-feira, março 18, 2005

João e Margarida

“…there's nothing you and I won't do…trapped in a state of imaginary grace…”

João olhou para os olhos de Margarida antecipando o momento em que os seus lábios se iriam tocar. O vento tinha um cheiro adocicado e a luz fazia-o fechar os olhos enquanto pensava que era capaz de ficar preso naquele momento para sempre.

Voltou a olhar para a cara dela e enfrentou os seus olhos outra vez. Sempre tivera dificuldade em olhar as pessoas nos olhos e com Margarida não era diferente. Ainda tinha o reflexo de desviar o olhar enquanto lhe contava as suas aventuras e sonhos, mas com o tempo tinha conseguido olhar para ela sem medo, aprendera a sofrer um pouco para poder ter o prazer de olhar para a sua cara, de poder falar com o olhar e dizer que a amava.

As mãos dos dois tocavam-se levemente como dois bailarinos que dançavam debaixo daquela luz laranja que passava pelas folhas das árvores e desenhava sombras sem sentindo. Não falavam, pois nada havia a dizer, tudo podia ser sentido e sentia a pele dela quente ao mesmo tempo que estremecia levemente. Mais uma vez fechou os olhos mas não deixou de ver, não deixou de sentir o cheiro no ar e de ouvir as roupas a esvoaçarem com o vento.

Recordou tardes passadas e sentiu-se feliz. Estava nervoso, mas a ansiedade não estava presente e conseguia perceber que não desejava estar em outro sitio que não fosse debaixo daquela árvore e das suas sombras.

Então sentiu o calor dos lábios que quase tocavam os seus. Sempre achou que a melhor parte de um beijo é precisamente o segundo antes dos lábios se tocarem e desejou poder parar o tempo, desejou poder prolongar aquele segundo que via passar demasiado rápido, elevar-se no ar e olhar para baixo enquanto os lábios se aproximavam cada vez mais. Sabia que daí a uns segundos o seu coração iria rebentar e as suas mãos iriam apertar as de Margarida de forma apaixonada e desejou que aquele segundo não acabasse.

Viu os olhos dela a aproximarem-se, dois enormes olhos castanhos que mudavam de forma com o dançar das folhas por cima deles e que o olhavam com ternura. Sentia-se a pessoa mais amada do mundo, nem que fosse apenas durante aquele segundo que não passava, um segundo que ia lembrar toda a vida mesmo que não tivesse acontecido, mesmo que não estivesse ali e apenas o imaginasse.

Deixou então os seus lábios tocarem nos dela e de olhos fechados desejou estar mesmo ali, desejou que não fosse apenas um sonho o que estava a sentir, teve medo de abrir os olhos e apenas ver a árvore que dançava. As mãos dela apertaram as suas e ainda com o lábios juntos disse-lhe que a amava, disse que não queria sair dali, disse que trocava tudo para aquele beijo durar para sempre.

1 comentário:

miak disse...

Também eu sempre me deixei escorregar para fora do olhar. Há anos que combato isso. Para poder olhar as cores...