segunda-feira, março 07, 2005

Duas Noites

Rio de Janeiro

Ouço uma voz a cantar ao longe. É uma voz suave com um sotaque estranho que faz com que todo o ambiente à minha volta se torne ainda mais mágico. Sinto a roupa colada ao corpo e tenho alguma dificuldade em respirar enquanto caminho descalço pela areia. Olho para as ondas brancas que aparecem no mar negro e vejo ao longe o reflexo da lua. Chego perto da voz e sento-me no chão a ouvir aquele concerto inesperado.


Lisboa

Chove sem parar há três dias e eu acho que começo a ficar deprimido, não tenho vontade de sair de casa e ir trabalhar. Todos os dias arranjo forças para me levantar, mas tenho cada vez mais dificuldade em não ceder e em não me deixar ficar na cama todo o dia. Sonho com o calor e com diferentes cheiros, mas levanto-me.

Estou parado há quinze minutos e ninguém repara em mim. Olho para o monitor e apenas vejo o meu reflexo, uma cara triste e desanimada. Conto vários suspiros e brinco com a caneta entre os dedos. Não vou almoçar e fico sentado a ouvir uma música longínqua enquanto sonho outra vez com a sombra das árvores. Não aguento mais.


Rio de Janeiro

Sinto-me feliz. Danço com desconhecidos à volta de uma fogueira que ilumina a noite sem fim e sinto-me embriagado, sinto que de repente fiquei liberto de tudo o que me prendia, sinto-me finalmente livre e danço, danço sem parar durante horas, danço até não sentir o corpo e cair exausto na areia.

Tudo à minha volta anda à roda, o céu rodopia e eu sinto-me enjoado. Fecho os olhos e respiro fundo, o cheiro a tabaco no ar magoa-me os pulmões e deixa-me ainda mais tonto, estremeço e percebo que não me consigo levantar. Então fico só a olhar o céu, um céu que não é o que sempre conheci, um céu que sempre me acompanha mas que não é o mesmo. Alguém cai ao meu lado.


Lisboa

Saio para a rua e caminho ao frio sem casaco. Amo esta cidade mais do que tudo mas preciso fugir dela, preciso ir para longe e deixar este sitio que me inspira. Não quero pensar tanto, não quero que a minha cabeça me doa tanto. Quero correr sem saber para onde vou, quero estar longe daqui. E então corro, fujo de mim próprio, fujo da minha tristeza, fujo do que amo e do que odeio.

Entro em casa e meto as roupas à pressa dentro de uma mala como se alguém me estivesse a perseguir, como quem cometeu o maior dos crimes. Tento não levar nada que me lembre o passado, ou melhor o presente que em breve será passado. Olho por um momento para a casa que já não é minha e penso em tudo. Será possível lembrar-me de uma vida em poucos segundos?


Rio de Janeiro

Olho para o lado e vejo uns olhos brilhantes à minha frente. Sinto o seu cheiro doce e agarro-lhe nas mãos durante meio segundo. Mergulho nos seus cabelos e toco os seus lábios com os meus. Continuo a ouvir a voz que me atraiu a este lugar, continuo a sentir-me tonto e quase não aguento tudo o que estou a sentir. As minhas mão fecham-se com força e sinto o peito a rebentar. Será isto um sonho? Era ela quem procurava? É tudo demasiado parecido com o conto que escrevi. Faz tudo sentido e eu tenho dúvidas, os sonhos não se realizam, mesmo quando os temos de noite.


Lisboa

Parte de mim viaja a caminho do aeroporto, vou ao encontro do meu destino, onde o sonho não existe, onde a inspiração é trocada por um beijo no meio da noite. Não sei onde estou, mas não me sinto perdido. Sei que tudo existe e que quando olhar o céu tudo ficará bem.

Mais uma vez a noite não tem fim...

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