segunda-feira, novembro 12, 2007

Julieta

Julieta era uma rapariga muito magra, de braços finos e dedos compridos. Tinha olhos negros, muito negros, que quase desapareciam na cara. Todos achavam que sofria de alguma doença, de um mal que a iria consumir, dia após dia, ano após ano, até morrer num suspiro, num sopro que não se conseguiria ouvir. Ninguém sabia a verdade, Julieta, como outras raparigas de olhar triste, era uma fada. No Inverno costumava passear sozinha, pouco depois do sol nascer, corria por entre os arbustos de braços abertos, sem tocar as gotas presas nas folhas. No verão respirava o ar quente da tarde, tossia a terra seca, o pó que se levantava com o bater dos pés. De dia andava descalça, de pedra em pedra, sorrindo para o seu reflexo no rio. À noite calçava sapatos brilhantes, por cima de pequenas meias, com delicadas rendas nos tornozelos. Julieta esperava um homem, mesmo sendo ainda uma criança, porque as fadas nunca são mulheres. Um sonho que trouxera o castigo, de viver longe do bosque, sem nunca mais poder voltar. As fadas não crescem, mesmo as amaldiçoadas, as que sangram no corte de uma folha. São crianças para sempre, presas em corpos delicados, que mostram os primeiros sinais de amor, que querem explodir de sentir, proibidas de o ser. Julieta sabia que um dia iria morrer, fecharia os olhos distante, mas acreditava, sem se arrepender, no sonho de um homem, com as mãos nas dela. Por isso cantava, repetia em voz baixa, no medo de não conseguir.

vem meu amor
sente a minha mão
ajoelha-te num pedido
em palavras sem fim

vem meu amor
que a morte corre veloz
para me roubar a vida
que eu prometi guardar

vem meu amor
encosta o teu peito ao meu
sente o calor do sol
antes do frio da noite

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