domingo, setembro 04, 2005

Fuga

Corro pelo campo aberto sem olhar para trás com medo de descobrir se ainda estou a ser perseguido. Estou cansado mas continuo e imagens das últimas horas são recordadas na minha cabeça de forma aleatória, pequenos fragmentos que se misturam sem sentido, pois nada explica o que aconteceu.

Passo pelo meio das ervas secas e penso como seria bom poder passear neste local com tempo para apreciar cada pormenor, mas a minha vida está em perigo e corro o mais que posso, passo por árvores e pedras que parecem olhar para mim, que parecem poder sentir o meu medo.

De repente ouço o barulho de água a cair, mas não consigo perceber de onde vem. Tudo à minha volta é seco e velho e não esperava encontrar água nesta terra que um dia será um deserto. Mas o barulho continua a chegar aos meus ouvidos e penso se o cansaço terá alterado a minha percepção do mundo, penso se estarei a enlouquecer, se estarei perto do fim.

Distraído quase caio no abismo que se abre à minha frente, o que pensava ser o cimo de uma pequena elevação no terreno é na verdade o fim do caminho que percorro. Cheguei a um ponto em que não posso prosseguir nem voltar para trás, à minha frente abre-se um enorme vale que vejo desaparecer no horizonte, mas não encontro forma de descer para poder continuar a minha fuga.

Continuo a ouvir o barulho de água e penso de onde virá, sei que não tenho muito tempo e que devia procurar um caminho para descer, mas algo em mim diz-me que tenho de encontrar a origem do que me confunde, água nesta terra sem vida, nesta terra amaldiçoada onde tenho medo de morrer.

Continuo a correr mas já não tenho por onde escapar e procuro apenas algo que não devia existir. Durante algum tempo não vejo nada até que descubro o que não pensava ser possível, um enorme rio correu sempre a meu lado pelo meio da terra sem vida e cai numa enorme cascata sobre o vale.

Olho para baixo e sei que a altura é demasiado grande para alguém sobreviver, mas não posso voltar, seria apanhado rapidamente, seria julgado pelos crimes que não cometi, seria condenado apenas por ter estado onde ninguém podia estar, por ter olhado os segredos escondidos durante tantos séculos.

Mergulho, deixo cair-me ao lado da água que vejo embater com violência lá em baixo e não penso em nada. Fecho os olhos e sinto o ar na cara, sinto o corpo a rodopiar e por momentos é como se voasse, como se antes de bater na água fria que me espera pudesse subir em direcção ao céu e fugir do destino que aguarda pacientemente.

Sinto o choque em todos os pontos do meu corpo e o ar que enche os meus pulmões é expelido com violência. Quero nadar, mas não tenho forças, quero viver mas os meus braços e pernas dizem-me que não são capazes, não quero que este seja o fim mas sinto-me calmo, pelo menos não me apanharam, um triste consolo perto do fim. A escuridão começa a rodear-me e penso em coisas simples, penso na minha infância e nas tardes debaixo dos pinheiros, penso nas noites e no céu que me fazia sonhar.


Vida

Acordo. Não sei onde estou mas sei que estou vivo. Lembro-me vagamente de algo tocar a minha mão antes de perder os sentidos, antes de tudo ter ficado escuro. Foi um toque suave mas que me puxou para cima, que me trouxe de volta à vida.

Estou dentro do que parece ser uma pequena cabana de madeira e ouço o som de risos lá fora, embora saiba que não é possível tenho a certeza que são risos de crianças. O cheiro de comida entra pela porta aberta que deixa entrar o sol, que me deixa ver o verde das árvores. Estou noutro mundo, acho que voltei a nascer.

Deito a cabeça, respiro fundo e adormeço, sei que vou sonhar...

2 comentários:

laura disse...

às vezes apetece-me dar um mergulho assim, repentino, mas nado tão mal... tenho medo de não vir à tona... e não haver uma mão que me puxe para cima.

xein disse...

E estar vivo... É o mais importante... :)

Quem me dera poder voar... Acho que todos desejamos isso, não é verdade???


Sente-te!!!