terça-feira, setembro 23, 2008

Another World

Um dia. Existe um momento em que chegamos à dor, em que descobrimos, que estamos inevitavelmente sozinhos, fechados em nós. Um dia. Descobrimos que só nós vemos, que contar não chega, e perdemos a esperança, sem deixar de gritar.

No metro viajo de pé, caminho devagar, olho cada pessoa em silêncio, demoro, arrisco, antes de continuar. À minha frente está um homem musculado, com uma camisola apertada. Tem o cabelo molhado, madeixas separadas pelo suor, que revelam um segredo. Um pássaro tatuado, uma serpente, sangue, uma escolha minha. Olho para baixo e reparo nuns sapatos de mulher muitos velhos, estranho as meias castanhas no calor. Uma delas está rasgada, até perceber. Levanto os olhos e vejo que a mulher não é branca, que as meias não existem, apenas uma cicatriz de tom rosado. Sorrio com a confusão e observo-a. Um fato cinzento que parece encolher, no meio de muito vermelho, menos o fato e a pele. Ao longe outra mulher apanha o cabelo, na esperança de não ser reconhecida. Sei quem é, fala sempre confiante. Prefiro o metro, espreitar sem que perceba, quando fecha os olhos por um segundo. Antes de sair vejo uma rapariga, que usa um gancho verde no cabelo. Está de sandálias, mas tem os dedos muito tortos. Tem a cara gasta. Lembro-me de alguém, que também vi no metro.

Uma tarde fugia para casa, entrei na carruagem e tentei escolher alguém. À minha frente estava uma rapariga. Aproximei-me com cuidado. Parei quando vi as lágrimas. Ela chorava sem parar. Um choro que não se ouvia, um choro sem o soluçar, só lágrimas atrás de lágrimas, sem vergonha, sem se importar. Fiquei a olhar para ela, que não me via, por também estar sozinha. Mas senti a sua dor. Então reparei, nos dedos cortados, amputados ao acaso. O verniz disfarçava alguns, outros era impossível. Fiquei paralisado, na repulsa, ao mesmo tempo zangado, mas com vontade de fugir, ao chocar com os meus medos. Resisti, fiquei, olhei, obriguei-me a olhar, para as mãos imperfeitas, até esquecer. Voltei ao choro, a uma tristeza sem fim. Senti vontade de a abraçar, de dizer que estava tudo bem, que podia descansar, que podia deitar a cabeça no meu colo. Não senti pena, não venci o medo, de lhe tocar nos dedos, de fechar as minhas mãos nas dela. Mas devia tê-la abraçado, tê-la escondido em mim, sentir o seu corpo.

Estou sozinho, mas continuo a gritar, até perder o medo, de me lembrar.

3 comentários:

miak disse...

Sim gostei... da estranheza...

Cereja disse...

Muito bonito.

rmena disse...

Início e fim fantásticos. Recordarei estas palavras...