segunda-feira, novembro 21, 2005

Queres dançar?

- Queres dançar?
Maria ficou muda de espanto, primeiro porque Manuel nunca se tinha dirigido a ela sem ser por você, depois porque era sua psicóloga e de repente sentia que a barreira que tinha de criar entre ela e todos os que acompanhava estava a ser quebrada.
- Dançar? Não nos devíamos antes concentrar no que estávamos a falar?
- Eu sei que este pedido não é muito normal, mas confesso que neste momento sinto que nenhuma conversa me pode ajudar mais do que dançar contigo.
Ele continuava a tratá-la por tu e isso desagradava-lhe ao mesmo tempo que secretamente sentia um certo alivio por não ter de manter o formalismo que sabia ser essencial nas consultas. Eram quase da mesma idade e ao principio, como em tantos outros casos, tinha tido de passar algum tempo a pôr Manuel no seu devido lugar. E depois de ele ter percebido como é que as coisas funcionavam nunca mais tinha tido nenhum tipo de problemas. Mas agora tinha e não sabia bem o que fazer, por um lado pensava numa das frases que já tinha preparadas para situações menos próprias, por outro tinha vontade de fazer tudo ao contrário, levantar-se e dançar. Sabia que não o podia fazer mas não deixava de pensar que o esforço de se manter afastada de todas as vidas que encontrava chegava a ser sufocante. Respondeu sem pensar.
- Mas não temos música.
- Eu consigo imaginar a música na cabeça.
- E tem alguma sugestão?
- Conheces uma música do Rufus Wainwright chamada 14th Street?
- Sim conheço, mas não achas...quero dizer, não acha que está a passar para além do razoável?
- Para falar a sério não estou a pensar em nada...queres dançar ou não? Vá lá, eu prometo que depois nunca mais falamos nisto. Acredita que eu não estou a desrespeitar tudo o que foi conseguido aqui, só quero um intervalo, um momento em que possamos deixar este registo sempre tão triste. Anda lá, quanto mais demoras mais estragas tudo...
Maria nem podia acreditar que se estava a levantar, que ia alinhar naquela loucura, que ia fazer algo contra tudo o que sabia ser certo. Era tarde demais, antes de ter tempo para voltar atrás Manuel pegou-lhe suavemente na mão, puxou-a contra si e começaram a dançar enquanto a música tocava nas suas cabeças.

Don't ever change, don't ever worry
Because I'm coming back home tomorrow
To 14th Street where I won't hurry
And where I'll learn how to save, not just borrow
And they'll be rainbows and we will finally know

Enquanto deslizavam pela sala pensava em muitas coisas, sabia que ele tinha prometido algo que não podia cumprir, sabia que aquela era a última vez que estava com Manuel e que se calhar esta era a maneira dele lhe dizer que estava pronto. Então encostou a cabeça no seu ombro e continuou a dançar.

7 comentários:

xein disse...

Dance me to the end of love.... O amor é uma dança estranha e frenética, mas sabe tão bem quando chega a hora do slow...

Sente-te!!!!

laura disse...

:) Parece-me que Manuel teve uma boa atitude.

Abelhinha disse...

Lindo!

É sempre tão agradável quando a emoção se sobrepõe à razão e conseguimos fazer algo que nos apetece e só não fazemos porque as regras quizem que não podemos...

:)

M de M disse...

Afinal o homem que ainda me leva ao altar existe...e chama-se Manuel! ehehehhe

obrigada pelo teu carinho
***

nspfa disse...

Descobri este blogue e fui ler o teu primeiro post. fiquei de tal forma impressionado com a tua narrativa que já faz parte dos meus favoritos. Fui lendo outros textos e a forma como escreves cativou-me ainda mais. por isso irei continuar a acompanhar este cantinho.
Sinceramente... muitos parabens e ainda bem que existem pessoas como tu

Mike Monteiro disse...

Excelente devaneio literário. Adorei.

Madame Pirulitos disse...

Este post é de uma sensibilidade tocante. Eu sou a Maria...