quinta-feira, fevereiro 10, 2005

A Melancólica Viagem de Metro em Metropolis

Olhei através do vidro e vi a chuva que caía do céu cinzento, estava frio e eu tinha de ir para casa. Agarrei no casaco e dirigi-me ao elevador andando devagar, não tinha pressa em sentir a chuva na cara. Desejei que o elevador viesse sem ninguém mas não tive sorte. Finalmente a rua e o esperado desconforto, apertei o casaco e mergulhei no meio da multidão apressada.

Era um final de tarde estranho, todos tinham um ar cansado e pareciam andar o mais depressa possível. Eu fazia o mesmo, tentando percorrer os três quarteirões até ao metro sem ficar encharcado. De repente parei e olhei para cima, à minha frente erguia-se um prédio cinzento pelo qual passava todos os dias, mas nunca tinha olhado para ele com atenção. Olhei para a parte de cima e desejei tocar nas figuras que olhavam para baixo com expressões de dor. Queria poder deixar o chão e libertar-me de todos os que me rodeavam, de ser livre para subir ao alto do prédio e de lá ver a chuva cair sobre as pessoas. Retomei o meu caminho conformado por ter de andar como todos os outros. A cidade ficava mais escura a cada minuto que passava e eu tinha que ir para casa.

Entrei no metro e senti a água a escorrer-me pela cara, não me sentia bem e se não soubesse que tal era impossível, diria que estava a ficar constipado. De qualquer maneira sentia-me cansado, um cansaço que não podia sentir, mas que era real, um cansaço que não podia ter, mas que fazia com que caminhasse devagar e curvado. Entrei na carruagem e procurei desesperadamente um lugar para me sentar, sabia que não conseguiria aguentar a viagem em pé. Tirei os auscultadores do bolso do casaco e esperei que a música me ajudasse a encurtar o tempo, fechei os olhos e respirei fundo, ainda faltava um pouco para o dia acabar.

Adormeci por breves instantes e quando ia começar a sonhar parámos. Acordei e olhei para os lados como se estivesse estado horas a dormir. À minha frente uma rapariga olhava para mim com um sorriso estranho, como se soubesse o que eu estava a pensar, como se conseguisse ver o meu cansaço, o meu desespero para chegar a casa. Tentei fazer uma ar despreocupado, como se ela estar a olhar para mim não me afectasse, mas não consegui. Tirei e voltei a pôr atrapalhadamente os auscultadores, sem saber porque o fazia. As minhas mãos tremiam como as de um adolescente no seu primeiro encontro. E ela sorria, ela olhava para mim intensamente, invadia a minha mente. Eu é que olhava para os outros, eu é que observava silenciosamente os que passavam por mim, nunca ninguém olhava de volta.

Não aguentei e levantei-me. Olhei para a sua cara mas já não obtive resposta, queria dizer algo mas não consegui arranjar palavras, tentava desesperadamente inventar alguma frase que fizesse sentido, mas ela tinha fechado os olhos. Afastei-me um pouco e fiquei a olhar para as luzes que passavam depressa por detrás do vidro. Olhei outra vez para trás e pareceu-me ver um olhar, mas era um olhar demasiado escondido, não podia voltar e desisti. O metro entrou na estação onde eu ia sair e senti um desejo de continuar, de sentar-me outra vez e perguntar se ela sabia quem eu era, se ela sabia que eu era diferente dos outros, se ela me podia ajudar. Mas não voltei, fiquei parado a ver o metro seguir a sua viagem. Lá dentro ninguém olhou para mim.

Entrei em casa, tirei o casaco e deixei-me cair no sofá. Ouvi o barulho metálico da aparelhagem a trabalhar e larguei o comando no chão ao meu lado. Não me apetecia sair outra vez e tentei adormecer ao som da música. De olhos fechados relembrei a minha viagem e tentei que a cara dela não desaparecesse da minha memória. Repeti tudo o que se tinha passado e fantasiei com outra realidade. Imaginei que tinha feito as coisas de outra maneira e senti-me irritado comigo próprio ao mesmo tempo que sorria com os sonhos que iam percorrendo a minha cabeça.

De pé, no cimo do meu prédio, olhei para a cidade lá em baixo. A chuva continuava a cair mas já não me podia incomodar, já não me podia fazer sentir cansado, já não me podia tocar. Enchi o peito de ar e lembrei-me uma última vez da minha tarde, lembrei-me de me ter sentido vulnerável e de ter desejado fazer as coisas de outra maneira. Eu era tão fraco como os outros e os meus medos apenas estavam escondidos...tinha que aprender a viver entre dois mundos sem sofrer por não poder ter tudo.

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