quarta-feira, outubro 17, 2007

A Casa Abandonada

Estás sentada num sofá feito de um verde esquecido, tapado por uma manta de cores esbatidas, que os meus olhos ainda vêem garridas. Deixo o tempo passar antes de falar.
— Tenho tão pouco para te dar.
Olhas para mim a chorar. As palavras chegam antes de um beijo.
— E ainda assim é tanto.

No Jardim

— Anda Rui! Despacha-te! Deve estar quase alguém a passar.
Eu olhava para o muro e hesitava, estava coberto de trepadeiras, armadilhas que me podiam fazer escorregar. Foste sempre tu que indicaste o caminho, que desafiaste o medo. Pisei o muro apenas durante meio segundo, num equilíbrio que não podia manter, sem perceber a escolha, antes de decidir saltar. Tu recebeste-me a sorrir.
— Achei que ias desistir — disseste, escondendo o riso. — Pensei que caías para o outro lado.
— Achas que ninguém vai aparecer? — perguntei.
— Não sejas tonto, a casa está abandonada há anos. Só tinha medo que nos vissem a entrar.
— Desculpa — disse envergonhado. — Precisei de ganhar coragem.
Já não te ouvi a dizer que não fazia mal, enquanto corrias por entre as árvores.
— Espera por mim! — gritei.
Estava muito calor e a roupa colava-se ao corpo, num prazer de sentir, de cheirar o mundo à nossa volta. Caminhei atrás de ti de olhos fechados, com as mãos à minha frente, para afastar os ramos da cara. O Sol passava entre as folhas e as sombras tremiam por cima de mim. Imaginei que estava num comboio, que viajava de cabelo ao vento, que esticava os braços num voo fingido. Quase que conseguia sentir o cheiro a queimado, era um comboio antigo, que se alimentava de fogo, e respirava um fumo espesso. Mais uma vez chamaste-me, trouxeste-me até ao teu mundo, que se confundia com o meu.
— Anda ver, descobri um sítio incrível.
Ainda tentei perguntar, o que os teus gritos responderam, enquanto rebolavas por um monte abaixo. Deitei-me e rebolei também sobre a erva alta, perdendo a conta às voltas, rindo sem pensar em mais nada, até a barriga doer, até ficar enjoado, tonto de tanto repetir. Sentámo-nos sem forças, o Sol brilhava atrás de um telhado, brincava às escondidas comigo, mostrando-se sempre só um pouco, mesmo antes de desaparecer. Senti o teu cheiro, que não sabia existir, senti a tua mão na minha, e os teus olhos nos meus, a minha boca na tua, os lábios juntos, as cócegas no pescoço, a roupa amarrotada, um sino de uma igreja ao longe, um último raio de Sol, no meio dos teus cabelos.
— Diz-me! — disse, sem me afastar. — Como é que vai ser quando formos crescidos?
Os teus olhos brilharam.
— Rui, nós nunca vamos crescer.

1 comentário:

ana salomé disse...

são tão boas essas coisas infantis :)

muito bonito, rui.

abraço,
ana