domingo, janeiro 14, 2007

O Espelho

Passo frente a um espelho, daqueles que esquecemos na parede, gastos nos cantos. Vejo uma cara envelhecida, pelo passar das horas, minutos de que perdi a conta. Estou despido, pêlos brancos no peito, mostram o caminho fechado, de volta ao passado. Fecho os olhos, até ver os teus.

Combinámos que serias tu a escolher o sítio, mas agora duvido, por estar perdido. O teu carro ao longe, demasiado lento, aumenta a minha ansiedade, em saber o que queres de mim, depois de quase te conseguir esquecer. A porta abre-se devagar, o convite confunde-se com a dúvida, e fico junto ao muro, por não conseguir andar. Espero por ti. Pela voz que nunca deixei de ouvir.
- Olá.
Desisto das primeiras palavras, todas inúteis, desajustadas do momento. Fico em silêncio, para não errar, para não começar a perder, mais do que já sinto.
- Não dizes nada?
Sou obrigado a arriscar.
- Estás bonita, estás sempre bonita.
- Obrigado.
Hesitas, mas sabes que tens de continuar, foste tu que me chamaste.
- Rui, eu... deves estar a pensar porque é que pedi para vires aqui.
Respondo irritado, mas só eu é que percebo.
- Não, na verdade não estou, só não consegui dizer que não. Mas juro Leonor, juro que se me disseres, neste momento, daqui a um minuto, se me disseres que te vais embora, que desistes de falar, juro que não faço nenhuma pergunta, que não olho para trás.
A tua pele muda de cor, por espanto e dor, por saberes que falo a sério, mesmo no meio do medo, que me faz tremer a voz.
- Não, eu não vou mudar de ideias, não te chamei por impulso, mas por precisar de te dizer, por ter de confessar, o que tu sempre soubeste, o que...
Interrompo-te, no meio do que quero ouvir.
- Não, mil vezes não! Não vais dizer que me amas, mas que não podes ficar, ou que não queres ficar.
- Mas...
Não te deixo continuar, mais uma vez.
- Não, já te disse que não, não quero saber.
- Mas eu sofro...
Rebento em choro, de vontade de te abraçar.
- Sofres? Tu sofres? E eu Leonor, como se chama o que eu sinto?
Não respondes, sei que não podes responder.
- Cinco anos! Cinco anos Leonor! Sem uma palavra tua, sem ao menos fingires, sem pelo menos me enganares, numa amizade sem sentido, que me fizesse esquecer, a solidão de todas as manhãs, de todos os dias, contados um a um.
Olho para ti, o mais tarde que consigo. Na tua cara um reflexo, do mar ao longe, e uma lágrima fica segura, como se o tempo parasse, antes de cair. Desisto, de não te deixar falar.
- Rui, eu não tenho mais nada para dizer, a não ser o que não queres ouvir, dizer que te amo, antes de morrer, antes que daqui a trinta anos, acorde em sobressalto, por palavras que fechei em mim, sem as poder gritar.
A dor é insuportável, de te querer abraçar, mas continuo a ouvir.
- E sim, tens toda a razão, de me julgar, de não me perdoar, mas ouve-me por favor, porque nunca mais nos vamos ver, deixa-me, uma vez na vida, a última vez na vida, dizer o que sinto, e chorar contigo. Eu amo-te, eu amo-te!
Falo de forma fria, que sabes não sentir.
- E o que é que queres que eu diga? Que fico feliz em saber, que te desejo boa sorte, uma despedida, de sorriso fingido, de não ser quem sou...
Não consigo continuar, e espero pelas tuas palavras.
- Não, eu só queria... Rui... eu só queria...
Choro como nunca chorei na vida, como não chorei, na outra despedida, de mentiras repetidas, em que não acreditei. E então desisto, para te abraçar, num cheiro que conheço, que reconheço, para não esquecer.
- Amo-te tanto Leonor, amo-te tanto...
A tarde desaparece, numa noite fria. O abraço dura para sempre.

Sinto o frio do chão, que me traz de volta a mim, ao meu reflexo no espelho, que me olha a sorrir. Lembro-me de nós, de músicas, palavras, risos, cigarros de mão em mão, da roupa molhada, da noite, da água fria, lembro-me do vento, do teu cabelo a voar, de lábios a brilhar, depois do pôr-do-sol, de sapatos coloridos, mãos dadas, olhos fechados, de correr, beijos, sonhos, sussurros, em versos, de sentir. Fecho os olhos, e deixo o corpo estremecer, como no refrão de uma música, que estou sempre a ouvir, quando penso em ti.

7 comentários:

Sha disse...

Parabéns...!

laura disse...

tu sabes como este texto me tocou... como o último parágrafo me tocou.

Eb1Eng.ºDuarte Pacheco disse...

Que texto tao intenso!Parabens*

kolm disse...

Faltam-me as palavras. Deixo pedacinhos soltos de uma melodia, aquela que me acompanhou em cada paragrafo da tua "estória":

“She calls around, finds me crying
Wish I were capable of lying sometimes

She’s still calling around to find half an hour..
She’ll always have a place in my mirror”

(sorriso grande)

Kiau Liang disse...

Lugares comuns....

:)

Anónimo disse...

Só para mandar um beijinho*

Kiau Liang disse...

Eu vi-te das sombrs...era fácil...

tu não (me) sabias...

:)